– Sam? Sei que
você esta ai, Sam. São cinco horas da tarde e você está dormindo, não é? Levanta
logo a bunda dessa cama...vai logo Sam!...É sério...pode colocar o pé pra fora
da cama...Sam?...Sam! Tem brigade...
– Oi, Cat!
– Não me chame de
Cat – pedi. – Isso soa tão...gato.
– Mas você é uma
gata. Certo?
Revirei os olhos,
já havia desistido de fazer com que Sam parasse de me chamar de “Cat”, e nove
meses de namoro pareceu incentivá-lo ainda mais a me chamar de “Cat”.
– Hei, preciso
que venha aqui em casa.
– Mas você disse
brigadeiro.
– Não tem comida
em casa não, pô?
Ele ri do outro
lado da linha. Que risada histérica!
– Acabo o leite
condensado.
– Existe mercado,
Sam.
– Existe a sua
casa, Cat.
Dessa vez sou eu
quem dá a risada histérica. Quanta histeria.
– Vai vim?
– Aonde?
– Na minha casa.
– Fazer o quê?
– Lembra que
disse que tinha que te contar uma parada?
– Ah, a parada
que você estava tão...preocupada hoje na aula de Biologia?
– É, Sam. Essa
aí.
Ele mexe com
alguma coisa do outro lado da linha e depois diz com uma voz preocupada:
– Cat, o que está
acontecendo?
– Não podemos
falar sobre isso por telefone.
– Está bem. Estou
indo parai.
– Obrigada, Sam.
– Estou chegando,
hein? – ele dá uma risadinha e mais barulho do outro lado. – Tchau, Cat.
– Tchau.
Desliga.
Pensei no que
Alice tinha dito de manhã “Conte a quem você quiser, só duvido que alguém vá
acreditar, não é?”. Joguei o travesseiro do outro lado do quarto. Ainda de
meia, fui até o som, escolhi um CD que eu mesma havia feito, escolhendo as
melhores musicas do “momento”. Encaixei o CD. Perfeito! It’s Not Over começou a
tocar, me joguei no tapete macio e pensei.
Será que se eu
contasse tudo pro Sam, ele acreditaria? Acreditaria que eu era uma aberração? Talvez
ele terminasse comigo, afinal, quem ia querer Miguel como sogro? Eu ainda não
havia aceitado muito bem o fato dele ser meu pai. Apesar do que Mateus havia me
dito, quando perguntei por que Miguel nunca veio me visitar, mandar
lembranças...qualquer coisa que um pai normal faça. O que ele disse, me fez ter
outra imagem de Miguel.
– Ah! Cathy,
acredite, ele sempre te protegeu. Mas ele te escondia, sempre te escondeu,
ninguém podia saber, você seria uma bela isca pra uma...armadilha. – Ele fez
uma pausa, parecia pensar se contava o que estava na ponta da língua. – Lembra
do acidente? O que matou sua mãe?
Fiz que sim com a
cabeça, ele prosseguiu, cauteloso.
– Foi ele o
milagre que te salvou. Eu sei, sua mãe...mas não o julgue mal. Ele tentou, mas
quando ele chegou lá, no local do acidente, já era tarde demais, sua mãe estava
morta e você estava tão perto da morte...a “querida filha de Miguel” morrendo
em um acidente de carro! Então ele te devolveu a vida, te curando.
–
Isso...não...não era certo. – gaguejei.
– Não, ele
inverteu o seu destino. Era pra você ter morrido naquele dia Cathy, naquele
acidente de carro. Nem deveríamos estar falando com você. Você deveria estar
morta. Morta.
Suspirei, agora
tocava What About Now e a musica estava me fazendo chorar. Depois de tudo que
haviam me dito, de todo aquele sobrenatural, ainda tinha o fato de “Cathy, você
deveria estar morta.” Why?
Tocou September,
All In, Walk, Basket Case, e nada do idiota do Sam.
– Cadê aquele
imbecil? – murmurei pro teto. Levantei-me, cambaleante, seguindo até o banheiro
e a campainha tocou.
– Oh! Até quem
fim, Sam! – gritei da porta do banheiro.
Fui até a porta.
Espiei pela fechadura para checar que não era nenhum outro estranho do outro
lado. Mas era só o Sam; com aqueles olhos carinhosos olhando pro nada.
Abri a porta
sorrindo e ele me recebeu com um apertado abraço. Longo até demais.
– Sam, pode me
soltar ta? Não faz nem algumas horas que a gente se viu...
– Eu sei. É que
eu estava com saudades de você. – Ele se vira e me observa, preocupação
exagerada, como sempre.
– Entre.
Ele entrou
desajeitado e o levei até o meu quarto. Sam sempre foi o meu “melhor amigo
bonitão”, até a sexta série ele era só um amigo, então chegou a sétima e ele se
apaixonou. Na oitava, no primeiro colegial... Ele era apaixonado por mim – e
ainda é – mas não assumia. Mas nenhum homem sabe esconder seus sentimentos, e
ele sempre me elogiava, mesmo quando me pegava acordando de uma “soneca” à
tarde. “Você sempre está linda” ele dizia. E eu pirava, é claro. Mas então, há
nove meses atrás ele resolveu tomar uma atitude. Comprou-me chocolates
caríssimos, um buquê de tulipas vermelhas e deixou na minha porta. A campainha
tocou às 3 da manhã de um sábado, eu estava dormindo, mas milagrosamente, fui e
atendi. Não sei como o porteiro deixou ele entrar àquela hora, deve ser por que
ele sempre o conheceu. Enfim, abri a porta e me deparei com todo aquele
presente, no meio das flores havia um cartão, e numa caligrafia que conheci
imediatamente, estava escrito:
"Sei que é patético Cat, mas quer namorar
comigo?
Sam."
Eu sei, bizarro.
Mas quando olhei para frente ele estava lá, encostado na parede do corredor,
com seus olhos esverdeados brilhando, um sorriso irônico que eu tanto amo, com
suas roupas bad-boy, os cabelos
loiros bagunçados e mais tulipas vermelhas. Eu não me lembro de ter sido tão
feliz por ser acordada às 3 da manhã de um sábado.
E até hoje
tulipas vermelhas aparecem do nada na frente da minha porta, sem cartão postal,
mas bem óbvio.
Ele passa o braço
na minha cintura e beija o alto da minha cabeça, enquanto eu lembrava daquele
dia, sorrindo.
– O que foi? –
ele sorri também.
– Nada, é que
bem...estava me lembrando do dia em que você me pediu em namoro...
– Do cartão
ridículo...
– Das tulipas
vermelhas...
– Eu havia bebido
muito naquele dia...
Parei. O que foi
que ele disse?
– VOCÊ SÓ ME
PEDIU EM NAMORO POR QUE ESTAVA BÊBADO, SAM?
Ele me olha
confuso e depois faz uma expressão “Ah!
Entendi!”
– Não. Não é
isso. É o cartão...o cartão ridículo.
– Que tem ele? –
digo mais calma.
– Eu só escrevi
daquela forma porque eu estava bêbado. E você sabe, eu teria sido mais
caprichoso se não estivesse.
Ah! Era isso.
– Ahn, saiba que
ainda o guardo na minha “gaveta especial”.
Nos sentamos na
cama, ele deita e cruza os braços por trás da cabeça. Hmmm...
– Não acredito –
ele ri. – Foi tão...patético!
Nós rimos, mas
logo eu paro, já lembrando o por quê de eu tê-lo chamado ali.
Ele para também,
notando minha quietude. Puxa-me para o lado dele, e deito em seu peito enquanto
ele passa novamente o braço na minha cintura.
– Hei, já pode me
contar. Ok?
E eu conto. Tudo.
O tempo parando, Mateus me contando quem era meu pai, como ele era. Alice me
dizendo que eu era uma “criatura” e até mesmo a falta de educação de Mateus.
Conto a ele sobre a história de Deus estar “ausente”. E Sam ouve sem me
interromper, apenas concordando e encorajando-me a continuar.
Quando conto a
ele sobre como Miguel me salvou ele me olha incrédulo, principalmente quando
digo que eu deveria ter morrido.
– E antes de eles
saírem, Alice me entregou isso.
Levantei-me e fui
até a mesinha de cabeceira, abri a primeira gaveta e tirei de lá um livro com
capa de couro, fino, mais ou menos 100 páginas.
Entrego a Sam, ele o folheia e me olha
incrédulo.
– Mas está em
branco! – exclama.
– É, ela me disse
exatamente isso antes de sair “Estou muito ocupada nesses dias Cathy, está um
caos no céu e não posso ficar por muito tempo aqui na Terra. Mas preciso que vá
me visitar amanhã, meio dia.” Fiz a pergunta óbvia: Como? Ela disse “Escreva
meu nome, Alice Lian, no livro e ele te levará.”
– Como é que é?
– É isso mesmo
que você ouviu, ela disse isso como se estivesse dizendo “aqui o numero do meu
celular, me ligue.” Fala sério!
Ele sorriu e me
abraçou. Sua boca estava no meu cabelo quando falou.
– Eu acho que eu
deveria ir com você, não?
Afasto-me, e o
encaro. Perplexa.
– Então você
acredita em mim?!
– É claro que sim!
E alias, sempre achei que você não fosse normal...
Sorrio como uma
boba pra ele. Sam me beija e esqueço de tudo, de Alice, de anjos, de pai
maluco, de tudo...ele se afasta, cedo demais. Acaricia com o polegar meu rosto,
desde perto da orelha até o queixo, que ele segura com firmeza. Beija-me de
novo e sussurra entre um sorriso, que eu já sabia muito antes de ele falar o
que era.
– Brigadeiro?
– De novo!
– Nós só fizemos
brigadeiro semana passada!
– Sam, hoje é
segunda.
– Brigadeiro? –
pergunta de novo, dessa vez com um charme meloso na voz.
– James Blunt?
– Quê?
– Brigadeiro e
James Blunt.
– Vamos comer
James Blunt?
– Não, Sam! Pelo
amor de Deus!
Nós rimos, histericamente
novamente.
– O.k.
– O quê, Sam?
– James Blunt...
– Vai comer o
James Blunt, é?
– Cat!
– Vai...mas você
faz o brigadeiro.
– Nós fazemos o brigadeiro.
– Ecaaa! Que
meloso que vai ser isso.
– Então tire o
James Blunt! Você está viciada nesse cara!
– Sam!
– Coloque...hmm, Green Day! É o
melhor.
– Não sei.
– Vai? – Ele faz
cara de gato abandonado que sempre me faz mudar de ideia, por qualquer coisa. E
cedo na hora.
– Ok, ok. Vá logo
para o fogão.
– Yeah! Hei, tem
Coca?
– Tem, Sam.
Esqueceu que está na minha casa?
Empurro-o da
cama, ele cai de barriga no chão, xingando, mas rindo. Levanto em um salto,
feliz por poder contar com ele, por saber que mesmo eu sendo uma aberração, ele
está do meu lado.
Corro até a
cozinha, pulando e tropeçando em tudo pela frente. Enquanto Bruno Mars canta lá
do quarto, na sua voz perfeita...
“When I see your face
There's not a thing that I would change
'Cause you're amazing
Just the way you are”
There's not a thing that I would change
'Cause you're amazing
Just the way you are”