terça-feira, 31 de julho de 2012

18- A mansão de Lockwood


– Deixa-me ver se entendi direito: Kris tem um “amigo” que mora em São Paulo e amanhã vamos procurá-lo e tentar arrancar alguma informação útil dele. É isto? – ergo uma das sobrancelhas. – E se ele não saber de nada?
– É uma possibilidade – Eduardo encarava o vazio enquanto arrastava as palavras; já era tarde da noite e podiam-se ouvir apenas alguns murmúrios no avião. – Se acontecer, não desistiremos. Temos mais opções.
Eduardo tinha acabado de trocar suas roupas no pequeno banheiro do avião (Uma missão impossível, dissera. De tão pequeno o recinto). Agora usava uma camiseta preta, jeans pretos e All star também pretos. Ele tinha ficado um pouco moreno nos últimos dias – não sei dizer se por causa do sol quente do Paraguai ou se eu estava cada vez mais pálida. Nossos braços se tocando de leve deixavam transparecer que a segunda opção era mais coerente e aceitável.
Seu toque era presunçosamente quente, a tal modo que me eletrizava. Não iria enganar a mim mesma para os sinais que apontava como setas de transito: Estava me apaixonando. Apaixonada. E o que minha intuição dizia e também o que via, era que Eduardo também...gostava de mim.
Mas eu tinha um namorado em Nova Jersey, que me amava e esperava-me. Quanto a isto, não sabia o que pensar ou fazer.
– E estamos ficando sem tempo Eduardo – aponto para a tela do meu Iphone –, já é final de mais um dia. Temos três dias para conseguir duas espadas, que não temos a  mínima ideia de onde estejam. E você fica com pensamentos positivos sobre futuras opções?
Ele balança a cabeça como um pai decepcionado pelas atitudes da filha; aquilo me irritou.
– Seja menos negativa Cathy – novamente ele passa a mão nos cabelos. – Se as coisas estão ruins...
– Podem piorar – completo. Puxo o moletom até os joelhos e me encolho na poltrona, apoiando a cabeça na janela para observar o céu noturno brasileiro...quase sem estrelas.
Eduardo encosta a cabeça em sua poltrona e fecha os olhos negros e torturantes. Ninguém estava pensando em dormir com tão pouco tempo de viagem até São Paulo; dei de ombros e olhei para o relógio: meia noite e dez. Com o atraso do vôo, as paradas e trocas de avião; acabamos por passar um dia inteiro viajando. Tudo porque Alice não queria acordar cedo. Abri meu diário e antes de escrever qualquer palavra, uma ideia perpassou minha mente.
Alice? Chamei via pensamentos.
Fala garota. Ela estava sentada na poltrona à minha frente, ao lado de Kristen. Por causa das orais discussões com Eduardo (assuntos tão banais que até uma criança os mandariam calar), resolveu que sentaria ao lado de Kris nesta viagem. Não tínhamos nos comunicado até agora.
Uma pergunta. Pensei nas palavras certas antes de falar, não queria magoá-la. Eu, por acaso, poderia fechar minha mente para que você não a lesse?  Tipo, é uma questão de privacidade...
Sua voz fina e enjoativa encheu minha mente.
Não estou lendo sua mente Cathy. Nem seus sentimentos. Acontece às vezes de nossas emoções se envolverem...apenas isso.
Até pensando consegui gaguejar.
Mas...você disse...quero dizer...
Eu sei o que disse, retrucou. E sei também que é desnecessário ficar invadindo-a desta maneira. Relaxe, esta livre para pensar o que quiser.
Acho que ela sorriu.
Confie em mim, murmurou. Seus pensamentos não são nada interessantes.
Ri baixinho para não espantar ninguém.
Obrigada, obrigada. Fico comovida.
Depois da melhor noticia que se pudesse receber num começo de dia, abri meu pequeno diário e escrevi sem parar.
Antes é claro, uma boa playlist.
Oásis.


Dezembro, 18 de 2011.

Lá vai:
Apesar de tudo que vem me acontecendo (principalmente a morte de meu amigo Daniel, que ainda me abala muito todas as noites), sinto que não trocaria por vida alguma a que estou vivendo agora. É como se finalmente estivesse encontrado meu mundo – viajar, lutar, amar...seguir em frente. O meu lugar. Talvez pra uma pessoa que prefira coisas calmas e uma vida rotineira não goste do que tenho passado. Mas para mim é como se eu tivesse nascido para isso, por mais que meu jeito mostre o contrário; minha forma física; minhas características. É por dentro que tudo vem mudando.
Eu nasci para isto. E não estou preparada. Estou?
Complicado, extremamente complicado. Acho que posso complicar mais.
Deixe.
Para.
Lá.
(Não vou mais gastar as linhas do diário com bobices. Oh! Estou falando sério).
A madrugada mal começou e já tenho a noticia mais brilhante que poderia imaginar – Alice não gosta de meus pensamentos.
E quem gosta? Tenho dó do curioso que um dia abrir este caderno. Ok, ok. To aqui mordendo o pingente de meu colar que ganhei do Eduardo.
Sim. Exato. Uma asa linda.
Opa, estou me empolgando e isto ta ficando enjoativo. Deixa, deixa, deixa para lá. Acho que estamos chegando no aeroporto de Guarulhos, São Paulo. Eduardo acordou de sua soneca e parece que vamos
Pousar. Eu ia escrever isto. Estamos em um hotel moderno e encantador de São Paulo. Kris ta mandando eu apagar a luz...
Quando terminei de escrever as reticências, Kris socou meu braço. Soltei um “ai” impaciente. Era aproximadamente duas da manhã e ela querida de todas as maneiras a luz apagada. Eu queria ficar escrevendo bobices em meu diário. Insônia. Todo mundo tem insônia.
– Cathy. Estou cansada e se ainda não percebeu temos que acordar cedo amanhã.
Ela não soou rude nem egoísta como geralmente Alice me tratava. Apenas sonolenta. Apaguei a única luz acesa do quarto de hotel e guardei o caderno-diário secreto embaixo da cama.
– Até quem fim – exclamou Alice do outro lado da cama. Kris, Alice e eu estávamos dividindo uma cama de casal; como nós três éramos magrelas e não muito espaçosas, concordamos em dormir juntas.  A outra cama, a única de solteiro, a um metro de mim, aconchegava Eduardo.
E era aquilo que estava me tirando o sono: Eduardo dormindo tão próximo de mim.
Ele roubou meu sono e suspiros naquela noite.


– Cara. Saí desse banheiro! – Uma dica: nunca, jamais, nem sequer pense em dividir um quarto e um banheiro com três pessoas. Eduardo estava há 33 minutos embaixo do chuveiro. Sei que é 33 minutos porque contei no relógio. Faltava apenas eu me arrumar e Eduardo não saía do banheiro. – Vou arrombar esta porta. Pouco me importo de te ver pelado!
[Não estava pensando com muita clareza naquela hora, por isso disse uma barbaridade como esta. Claro que me importo de vê-lo nu...Quero dizer, não queria vê-lo nu, mas sim...ah, esquece!].
– Menina chata – ele gritou do banheiro. – Já vou sair.
Dei um chute na porta sem pensar, e ela se abriu. Eduardo nu me encarou perplexo.
– Ah meu Deus! – E fechei a porta, mal respirando. – Meu Deus – sussurrei, cobrindo a boca com a toalha de banho –, meu Deus.
Minha sorte é que Alice e Kris tinham descido para tomar café; elas teriam me perturbado com o “incidente”. Até ele desligar o chuveiro fiquei rindo como uma boba no quarto, sem saber se corava ou batia a cabeça na parede.


Baguncei meus cabelos molhados e ondulados, respingando água no rosto de Eduardo. Ele limpou as gotas d’água dramaticamente e se curvou sobre mim. Tentei me afastar, andando para trás. Um erro terrível pois tropecei na cama de solteiro e ele teve que me segurar pela cintura para que eu não caísse.
– Opa. – Rimos.
Eduardo era mais alto que eu – minha cabeça batia em seus ombros largos. Ele estava novamente todo de preto e seus cabelos também estavam molhados. Agora imagina um homem desse. Consegue? Aplique ele te empurrando contra a parede do quarto; você não tem pra onde correr...E ele ainda esta sorrindo de canto de boca...tentador não acha?
E sua boca estava próxima demais da minha. Podia sentir sua respiração, seu corpo, seu rosto me preenchendo. Ele apoiou sua testa na minha, se naquele momento estava sorrindo eu nunca soube, meus olhos fechados apreciavam o momento...Seu rosto colado no meu...E uma porta bateu.
– Ah, merda! – exclamou Kristen. Levei um baita susto e sai dos braços de Eduardo, corando. Kris pegou um celular em cima da cama onde dividimos e o colocou no bolso da calça. – Desculpa, não sabia que vocês...
Fiz um rápido aceno de mão e sorri para acalmá-la. Aproveitei para pegar meus óculos também em cima da cama.
– Onde esta Alice? – perguntei para mudar de assunto. – Estou morta de fome, preciso comer.
Ela já estava saindo sem me responder, antes de fechar a porta sussurrou com malicia.
– Camisinha, hein? – E fechou a porta. Depois daquilo eu não soube com que cara encarar Eduardo, invés disso, achei minha bolsa e corri sorrateiramente atrás de Kris, tão corada que podia ser facilmente confundida com um pimentão.

O hotel onde nos hospedamos era pequeno, pois não pretendíamos passar mais que um dia lá. O nosso plano era encontrar o amigo de Kristen naquela mesma manhã – não tínhamos tempo para perder. Então dormimos no primeiro hotel que vimos. E não foi uma má escolha: acolhedor e arrumado o ambiente. Quatro andares e quase todos os quartos ocupados, por onde eu passava no corredor tinha, ou um quadro ou um vaso repleto de flores vívidas; ou um hospede sorrindo com a delicadeza do lugar. Se começasse a sair bolhas de sabão do teto eu não me surpreenderia.
Desci o elevador para o primeiro andar, onde as meninas estavam tomando café no pequeno restaurante do hotel.
Arranquei uma linha solta do meu short jeans e puxei a blusa para o quadril. Calçando um par de All star cano médio vermelho, estava ficando cada vez mais deslocada no lugar. – Quase todas as mulheres usavam vestido de verão e sapatilhas. Fiquei feliz em ver Kristen e Alice de jeans e camiseta. Caminhei até elas enquanto secava meus cabelos curtos (ainda não sentia falta de tê-los grandes), o tempo todo pensando no quase beijo com Eduardo. Mordi com força minha boca para não sorrir com a lembrança.
– Bom dia – Alice comprimento. – Onde esta Eduardo?
Mordisquei um pedaço de bolo e servi-me de café puro, sentei junto delas na mesa. Com a boca cheia respondi:
– Sei lá.
Kristen parecia um cachorro culpado. Ela não podia simplesmente fingir que não viu nada? Mas ela tinha que voltar ao assunto.
– Estraguei tudo não é? – Ela passou o cabelo para trás da orelha. – Olha, não foi minha intenção...você sabe que não...Ah droga ele ta ali...!
E parou abruptamente de falar ao ver Eduardo surgindo atrás de mim. Fingi estar interessada ao máximo na xícara de café, apesar de não ser uma cor que eu gostasse – rosa claro com corações vermelhos. Quase a derrubei propositalmente no chão (“Oh. esbarrei!”).
– Corações? – Eduardo apontou para a xícara, fazendo uma fingida expressão de surpresa. – Sua cara.
Aquilo foi irônico.
Alice pigarreou e saiu da mesa em direção a um garçom. Conversou em um português perfeito com ele e voltou para a mesa. Ou melhor, tirou o café de mim e a torrada de Kris a força.
– Vamos logo – chamou apressada. – O táxi nos espera.
Todos nós seguimos para o táxi estacionado na frente do hotel. Ele era branco, não amarelo. Fiquei surpresa, não por muito tempo: mal pisquei e já estava dentro dele, Kristen a minha esquerda e Eduardo à direita. Alice ao lado do taxista alto e moreno. Lembrei do ultimo táxi que havia entrado, o de Benet em Nova Jersey...e tudo aquilo talvez nem tenha existido – minha mente a grande criadora.
Por todo o tempo da viagem foi um silencio absoluto dentro do carro. Às vezes Eduardo esbarrava os olhos em mim, eu logo os desviava. Não valia a pena investir em um romance ao lado dele...valia? Eu não queria estar apaixonada por ele. Sempre enganada.
Quase dormi pelas duas horas de carro; não tinha interesse algum em olhar para fora da janela. Tudo parecia sem graça e sem emoção...Kris parecia estar adorando até o ar.
– Que lindo! – sempre exclamava. Não via nada de lindo num sol útil para fritar ovo. Assim fechei os olhos e lentamente minha cabeça escorregou até o ombro de Eduardo. Ele gostou de brincar com meu cabelo.
Subitamente estávamos cercados por árvores tão altas que impedia a luz do meio dia invadir meu espaço pessoal. O taxista dirigia por uma estrada de terra e de alguma forma isso não fez parecer que estávamos em uma cidade antiga do interior, mas numa fazenda – uma grande fazenda – longe da vida urbana.
As árvores pareciam não ter fim e pensei como seria bom morar ali: longe de qualquer problema ou pessoas erradas...aquele lugar poderia ser chamado de “liberdade” – emanava calma e serenidade, como quando estamos nos braços de quem amamos. Não havia como sentir medo, principalmente com um céu azul acima.
O carro parou de frente com um grande portão de grades monstruosas. Foi à primeira vez que notei a mansão ao longe; dali era um nada aos olhos nu. Ela foi ficando cada vez maior à medida que aproximávamos pelo terreno. Os portões se abriram assim que paramos, como se nos esperasse.
Como descrever a mansão? Grande...grande demais. E linda. Excepcionalmente linda. Era toda de vidro, mas não se podia ver nada dentro – apostava que podia se ver tudo de dentro pra fora. Dezenas de janelas de madeira branca  cobriam a mansão, dando um toque antigo ao lugar. A porta da frente estava aberta e um menino deixou a cabeça cair quando nos viu, curioso. Ele gritou algo para dentro da casa quando viu o táxi e desapareceu.
Alice abriu a porta do carro e saiu, fizemos o mesmo. Caminhei ao lado de Kris pela grama esverdeada e macia. Depois de termos saídos Alice pagou e agradeceu ao motorista, que voltou para a estrada. Olhei ao redor: lar dos sonhos. Tão espesso e intenso a natureza que deixaria qualquer um sem ar e boquiaberto. Ao longo de todo os lados era apenas grama, como um longo jardim. Algumas dezenas de metros vi o que pareceu ser um estábulo...cavalgar observando os pássaros voando no céu devia ser a melhor experiência de todas.
Subimos nove degraus até a porta principal – a escada brilhava de tão branca...era também de madeira e o corrimão de vidro transparente.
Kristen foi à frente, já que o amigo era dela, e tocou a campainha. Meio segundo depois um serviçal nos recebeu.
– Bem vindos à mansão de Lockwood – e dirigiu-se somente a Kris, com uma reverência. – Há quantos séculos não há vejo, srt. Smain. Um prazer imenso em vê-la.
– O prazer é todo meu Carlos – Kris retribuiu a reverência.
Carlos sorriu corado.
– Entrem. Senhor Lockwood os esperam.
E entramos na mansão de vidro.

Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.

terça-feira, 24 de julho de 2012

17- Os peregrinos na América do Sul


Afastei-me de Eduardo como quem diz “não quero nada contigo”; tudo bem que eu gostei e até estava sorrindo, mas isso não explicava que eu devia ficar ali me agarrando com ele enquanto minha amiga, Kristen, estava ferida do outro lado do quarto.
– Sai de mim, Eduardo. – Resmunguei, deixando-o boquiaberto. – Até parece que nunca me viu.
Consigo ser muito egoísta quando quero. O que é quase sempre.
O quarto em que estávamos era pequeno e desconfortável. Com uma cama a um lado, uma mesa de bar perto da janela aberta  e um pequeno armário do outro lado; não havia muito espaço para circular. Muito menos para empurrar alguém.
Dei a volta na cama e me sentei ao lado de Kristen, que ainda ferida, sorria. É incrível o bom humor de algumas pessoas.
– Você esta bem? – perguntei. – É claro que não, que pergunta a minha!
Kristen respirou fundo e apontou para a cama. Franzi o cenho e ela revirou os olhos, impaciente.
O lençol da cama, sussurrou na minha mente. Estou nua, Cathy.
Depois de dois segundos, eu enfim, fui entender. Kristen deu risada tristonha quando expulsei Alice da cama e puxei o lençol. Eduardo já de pé olhando pro teto.
– Aqui – entreguei o lençol rosado a ela e a ajudo a se cobrir. Quando o tecido encostou-se na suas cicatrizes (antes as suas asas), este ficou cheio de sangue. – Ai meu Deus, as suas costas!
– Esta tudo bem, Ca. Já vai parar de sangrar...acho.
Alice veio até nós, pediu para que Kris se deitasse e tocou suas costas. Murmurando palavras desconhecidas, o sangramento logo diminuiu, e imaginei que a dor também.
– Maldito Zacarias – xingou Kris, o rosto enterrado no colchão enquanto Alice cuidava dela. – Ele ainda vai pagar pelo que fez.
– Falando nele – disse Eduardo fechando a janela (como se isso fosse impedir algo). – O que aconteceu?
Contei a eles tudo que havia me acontecido desde o dia em que voltei no tempo e perdi minha memória a como de repente Zacarias resolveu nos libertar. Alice nada disse durante minha narração. Quando terminei só se ouvia o som da vida urbana lá fora e os murmúrios de Alice, já chegando ao fim de sua cura.
– Então – observou Eduardo. – Sammy não te traiu. Mas sim, neste momento, te espera em Nova Jersey.
Bufei como uma criança.
– Tanto faz – repliquei. – O que quero saber é porquê Zacarias nos mandou para cá...E que droga foi aquela Alice?! Mereço boas explicações.
Ela não respondeu de imediato, ao invés disso virou Kris de barriga para cima, a cobriu com um novo lençol que encontrou no pequeno armário e passou de leve a mão no rosto dela . Kris dormiu. Virou-a novamente e se levantou da cama, parecia cansada.
– Achei muito estranho o comportamento de Sam. Fico pensando – hesitou, escolhendo as palavras certas –, será que isto tudo aconteceu realmente ou é apenas obra da sua mente? E de alguma forma interligou a minha mente com a sua para que eu a visse em um cenário imaginário. Talvez...
– Não há talvez – interrompi-a. – Aconteceu de verdade. Voltei no tempo e sofri um acidente. E, se fosse mesmo coisa da minha mente, ora...como pude viajar nas sombras, por todos aqueles dias?
Foi Eduardo quem respondeu, num tom de superioridade e Senhor Criatividade.
– Suponha-se que quando a mandei para o passado, por erro meu, o seu corpo tenha adormecido em algum lugar desconhecido ou continuado no presente. E a sua mente fora para o passado e para a surpresa de todos criou os acontecimentos daqueles dias. E para uma surpresa ainda maior, quando sua mente viajou nas sombras, buscou seu corpo (onde estivesse) e o trouxe aqui para o céu, por este motivo demorou tantos dias para chegar ao Departamento. Seu corpo estava indo ao encontro de seu espírito. É um bom argumento para explicar a facilidade em que saiu do hospital  e que cortou seus cabelos, pois já estavam cortados; e também, é claro, do taxista chamado Benet. Que pra mim é nome de mulher.
Seguiu-se um silêncio depois disso. Por fim zombei:
– Já pensou em escrever um livro Eduardo?
Mas Alice parecia ter levado a teoria mais a sério do que eu.
– E eu, como anjo da guarda dela, estava vendo o seu eu espírito e não o seu corpo. Perfeito Eduardo, perfeito!
Lembrei como estava estranha naquele dia, cheia de ódio e ressentimento; e um alívio tomou conta de mim. Não precisaria mais ir ao psiquiatra!
– É...bem... – gaguejei. Recompus a voz. – Até parece fazer um pouco de sentido. Claro, claro. – E para me livrar do assunto constrangedor (e não menos curioso) falei: – Alice querida, você ainda não respondeu a minha pergunta.
Alice se sentou em uma das cadeiras da mesa de bar perto da janela fechada. Permaneci em pé. Eduardo deitou na cama com cuidado para não acordar Kris, parecia desinteressado no assunto.
– A história de minha raça – a minha história – ela é tão intensa e repleta de leis que, se eu fosse lhe contar tudo...além de perdermos tempo com algo desnecessário; encheria sua mente com informações pesadas demais para você. Apenas saiba que eu sou, apesar de não parecer, velha. O primeiro anjo da guarda da história da Angelologia.  É claro que não viu meu nome em nenhuma de suas estórias ou pesquisas. Primeiro que meu nome não é Alice Lian; segundo que nunca, nem mesmo se estiverem arrancando meu pescoço eu diria meu nome. Por que? Porque aquele que possuir o verdadeiro nome de um anjo terá total controle sobre ele.
– Interessante – comentei, imaginando como seria ter o verdadeiro nome de Zacarias.
– Fale por você. Duvido que ia querer alguém te controlando.
– Mas isso não explica o que aconteceu entre você e Zacarias. Há não ser que...que...
Alice me interrompeu antes que eu pudesse concluir o pensamento.
– Não, eu infelizmente não tenho o nome dele. O que acontece é que como eu sendo o primeiro anjo da guarda, ele não tem poder sobre mim. Ou seja, não tem autoridade para arrancar minhas asas e me expulsar do Céu. Como fez com Kristen.
– O imperador que tem essa autoridade? – pergunto, tentando entender o que dizia, pois ela já parecia impaciente.
– Sim – respondeu. – E sempre foi Miguel quem cuidou disso. Não é todo dia que tal acontecimento é presenciado no Céu, pois, como deve saber, os anjos do Céu sempre foram...certinhos, a ponto de ser raro um anjo perder as asas desse modo.
Eduardo que pensei que tinha adormecido, murmurou da cama:
– E Zacarias na liderança? Vai ter chuva de anjos. Há não ser que estes se juntem a eles como parte de seu exército particular.
– Poxa! – exclamei. – Isso ainda não explica o por quê dele ter nos libertado com tanta facilidade.
Eduardo deu de ombros e Alice também. Ou eu era burra demais ou eles não tinham a resposta da minha pergunta.
Passaram-se alguns minutos e resolvi sair daquele quarto abafado e sem graça. Precisava de ar fresco e pensar direito.
Fechei a porta com cuidado ao sair.
Dei com um corredor vazio e velho. Perto do quarto onde estávamos havia uma escada, caminhei de leve até lá, o tempo todo olhando ao redor.
Pelas minhas experiências literárias tudo indicava que eu estava em um hotel de quinta categoria. Rachaduras nas paredes e chão sujo e mal cuidado; nos cantos do teto até jazia algumas teias de aranha, marcando a falta de limpeza. Ouvi passos atrás de mim mas não me virei, já sabendo quem era.
– Acho que devíamos sair daqui – Eduardo apareceu a meu lado. – Mas no estado em que se encontra Kris, não sei se ela agüentaria uma viagem...ela esta péssima Cathy, não só fisicamente.
– Eu sei – foi à única coisa que disse.
– Ela precisa de você.
– E eu preciso dela.
Ficamos nos entreolhando por um tempo, seus olhos preocupados não apenas por mim, mas por Kris também. E vi que ele gostava dela, uma amiga de verdade.
– E Alice? – Pergunto a ele.
– De olho em você – ele suspira. – Deve ser horrível ter alguém lendo até seu menor pensamento.
Eu não pretendia discutir este assunto com Eduardo, portanto não respondi. Desci a escada, ele atrás de mim.
Um, dois, três andares...Um bom exercício físico.
– Sabe onde estamos? – pergunto a Eduardo.
– Ainda não.
Chegamos no primeiro andar. Nenhuma novidade: era um saguão pequeno e velho e não havia ninguém ali. Estava começando a pensar que aquele lugar estava abandonado e quase a destruição. E isso não foi nada animador.
– Vamos lá fora ver isto – mas eu já estava lá olhando ao redor. – E ai?
Minha risada sarcástica já responde a pergunta dele.
Estávamos em frente a uma rua larga – comércios, casas e até um pequeno e velho salão de festa. A rua não era grande mas era bem movimentada. Alguns meninos jogavam futebol no final da rua e do outro lado três meninas arrancavam os cabelos de uma boneca. Tinha também alguns adolescentes aparentemente revoltados, já a nossa frente, fumando algo que não reconheci.
– Viemos parar numa favela, só pode! – xinguei via pensamentos Zacarias, pela sua falta de companheirismo.
Eduardo colocou a mão na boca tentando não rir.
– Como um bom narniano, não vou deixar de explorar isto aqui. – Ele segura minha mão enquanto rio de sua comparação aventureira.
Descemos pela rua e demos com uma praça típica de uma cidade do interior. No centro da praça uma estátua empoeirada  – águia com o bico aberto –, chamava atenção; jorrava água aos lados. Nos sentamos em um banco e observamos uma menina brincar de quebra-cabeça.
Ou melhor, eu observei – Eduardo não tirava os olhos de mim.
Ajeitei meus óculos como uma boa leitora. Uma folha amarelada caiu em meu rosto. Sorri, Eduardo a tirou para mim, sorrindo com a leveza do movimento. Ele deitou em meu colo com uma intimidade assustadora; não soube o que fazer por dois longos segundos, depois comecei a fazer cafuné em seus cabelos bagunçados que me tiravam o fôlego.
– Esta brava comigo? – ele pergunta num sussurro.
– Não. Deveria?
–  Sim – ele se vira pra mim, seus olhos num misto de confusão. – É muita informação pra você, e mesmo não sendo um momento correto, queria lhe entregar isto. Ele se senta a minha frente e procura algo no bolso da jaqueta, tira de lá uma caixinha de veludo preta. Abre-a e de dentro um reluzente colar de prata brilha para mim. Ele a tira da caixinha e se curva sobre mim, colocando-a em meu pescoço. Olho para o pingente: uma asa. Só uma. – Psiu – chama, e puxa uma corrente do bolso dele, com uma asa como pingente. Ele a coloca no pescoço e ela faz um timbre engraçado quando bate em seu peito, não havia dito nada até aquele momento.
– Uma completa a outra?
– Sim – ele sussurra. – E eu gosto de você.
Eduardo afasta uma mecha de cabelo do meu rosto, seu toque era como uma corrente de eletricidade; ao sol daquela manhã, na cidade desconhecida, uma calma se apoderou de mim. E pela primeira vez depois de dias eu me senti segura, pois eu estava ao lado dele.
Ficamos sem saber o que diz por um tempo. Apenas o modo como ele sorria – de canto de boca – e brincava com a borda de minha blusa; o silêncio se tornava confortável. Não queria ser eu a quebrá-lo.
– Acho que só vou me sentir bem depois que você me perdoar.
– Mesmo eu não tendo gostado; você fez aquilo pra me proteger.
– É.
– Bobo você.
Ele sorri, seus olhos sorrindo, seus lábios sorrindo, sua face e seu coração sorrindo.
– Vem cá, vem.
Deixo que ele me abrace e sussurre palavras positivas em meu ouvido. Estava precisando de um ombro-amigo.
– Cathy?
– Sim?
– Esta pronta pra mais uma aventura?
– Não.
Ele ri novamente, desta vez o acompanho.
– Vamos voltar ao hotel. Precisamos sair deste lugar.
– Pra onde?
– Acho que Brasil.
– Não. Eu odeio sol! – aquela ideia não estava me deixando nada feliz.
Ele se levanta e me puxa para perto dele, começamos a caminhar de volta ao hotel.
– Você é meio doida.
– Não quero ir ao Brasil – minha voz chorosa e infantil.
– Você vai perder a discussão. Vamos ao Brasil.
– Mas eu odeio sol! – tentou me afastar dele, do seu braço em minha cintura. Ele me puxa para si novamente, me apertando contra sem peito.
– Compre protetor solar. – Como se protetor solar diminuísse o calor. Passamos pelos adolescentes e entramos no hotel abandonado, que tinha três andares e estava pinchado.
– Odeio sol – digo novamente, para implicar.
Ele para, me lança um olhar de “cale-se?” e um sorriso torto. Bagunça o cabelo em um sinal de impaciência e diz:
– Pequena, você tem probleminhas.
Que jeito carinho de dizer que minha mente não funcionava como devia funcionar.


Quando voltamos ao quarto de hotel Eduardo teve uma longa e cansativa discussão. Alice achava o ambiente seguro, sempre dizendo que não era Zacarias o inimigo e sim Lúcifer. Eduardo era totalmente do contra.
Depois que Kristen concordou e apoiou Eduardo em sua ideia, Alice cedeu e resolvemos que íamos para o Brasil. Onde, de acordo com muitas pesquisas de Eduardo – feitas durante as semanas de prisão no castelo – indicava que um dos Espíritos da Morte curtia um sol. Quem sou eu pra reclamar, não é?
Uma boa observação é que ninguém parecia se incomodar com a bondade de Zacarias. Eu tinha muitas dúvidas e uma delas era se ele estava apenas brincando com nós ou se sentia medo de nós. E Louis, o demônio que seqüestrou meu pai vagando pelo Céu; já não sabia o que estava acontecendo mas fiquei com as perguntas pra mim, sem ousar desabafar com ninguém.
Logo depois das duas da tarde Eduardo saiu pra comprar algo para eu comer, descobrindo que estávamos em uma pequena cidade do Paraguai e que o hotel estava oficialmente abandonado.
– Pelo menos não vamos precisar sair do continente! – exclamei, quando Eduardo voltou com a notícia.
Partimos no final do dia para um hotel de estrada fazendo o possível para que não suspeitassem de quatro adolescentes sozinhos em um ônibus. De acordo com Alice, estávamos seguros, pois ninguém podia nos encontrar – ela estava nos protegendo –, já ouvi esse papo antes, quase disse a ela.
E mesmo que eu não gostasse da ideia de perambular por um país desconhecido – língua estranha para mim, costumes e crenças diferentes – tentei ao máximo evitar brigas desnecessárias.
– Iremos passar a noite aqui – idealizou Kristen, as feridas em suas costas aparentavam melhora e todos nós já prevíamos a cicatrizes curadas. – E depois que minhas...cicatrizes estiverem menos sensíveis, partimos ao Brasil. Se todos estiverem de acordo.
Ela olhou diretamente para mim. Ninguém disse nada, portanto alugamos dois quartos. Um deles  Alice, Kristen e eu dividiríamos; o outro Eduardo o teria por inteiro.
– Aproveito para estudar a região – justificou. Ninguém tentou argumentar.
Há noite, quando Kris e Eduardo trocavam informações sobre o Espírito da Morte (ninguém sabia como encontrá-lo) e pesquisavam algo na internet; fui e sentei no chão ao lado da cama de Alice, onde ela estudava um mapa, concentrada.
– Alice? – chamei.
– Sim? – ela nem sequer tirou os olhos do mapa.
– Você pode fazer aparecer coisas, não é? – Eu já sabia que sim, mas estava cautelosa naquele dia e precisava ir aos poucos...mais com medo da resposta do que qualquer outra coisa. Alice assentiu. – Eu posso? – tentei explicar direito. – É que, eu fiz aparecer meus óculos e cortar meus cabelos...
– Foi tudo obra da sua mente – resmungou, como se isso a entediasse. Eu estava ficando desesperadamente triste.
– Mas, se foi obra da minha mente, por que apareci com a roupa que vesti no Hospital no Departamento? Eu não deveria ter aparecido com a que eu estava usando no...ônibus voador?  
Já tinha começado a gaguejar com a baboseira que falava.
Alice tirou os olhos do mapa; parecia não ter resposta para minha pergunta.
– Tente fazer parecer alguma coisa – pediu.
Imaginei um pequeno caderno de capa preta a minha frente; cheguei a fechar os olhos. Nada aconteceu.
– Ah – não sabia o que dizer. – Talvez seja mesmo coisa da minha cabeça.
E me joguei na cama ao lado, meus pensamentos em um turbilhão de confusão.
– Quer um caderno? – Alice pergunta, ela estava tentando ser legal.
– Ficaria agradecida. – Meu tom de voz foi rude; não conseguia aceitar o fato de tudo não ter acontecido. Um caderno como imaginei apareceu em meu colo: de capa de couro e na frente emoldurado com meu nome, não...não era meu nome, era “Cathy McLean”. Virei emburrada pra Alice.
– Tira. Isso. Daqui.
Ela afundou a cabeça no travesseiro e riu – a risada controlada e educada que tanto a pertencia.
As letras desapareceram e no lugar de “McLean” apareceu “Lohan”.
– Bem melhor – retruquei, sorrindo. – Ainda vou me acostumar com a ideia de tudo aquilo não ter sido verdade...ainda vou.
– Você ainda vai passar por muita coisa...estranha – ela disse. – Isso não foi nada.
Não podia ter recebido noticia melhor.
Peguei uma caneta na cabeceira ao lado e abri o pequeno caderno. Na primeira página escrevi:

Este diário pertence à Catherine Lohan.

Virei a folha.

“A ninguém será contada a história do outro.”
- C.S. Lewis.

E na folha seguinte:

Dezembro, 16 de 2011.

Já é noite e as estrelas brilham atrás das nuvens acinzentadas...Meu cansaço mental esta sendo maior que o físico. Não vou mentir, desde o dia de meu suposto acidente de carro me sinto desnorteada. É isso, desnorteada e perdida. Seriam estas boas palavras para me descrever?
Nada parece explicar o que aconteceu no castelo. Teria Zacarias medo de Alice? Ora, nas situações em que me encontro nada mais me surpreende!
Hoje de manhã saímos do hotel abandonado e partimos para a cidade vizinha, onde nos hospedamos em outro hotel – bem melhor que o anterior, este ao menos tem banheiro. Estou sendo um pouco negativa, mas duvido que alguém no meu lugar estaria em humor mais saudável. Um dos motivos do meu mau espírito é as dúvidas que parece não haver respostas que possam me aliviar e me deixar em paz. O outro é que me lembrei que ainda estou namorando, o que quer dizer que traí Sam com Eduardo.
Alice e Eduardo brigam o dia inteiro e de alguma forma o temperamento de Alice acaba me afetando e também me deixando irritada. Não gosto disso, eu era brincalhona e animada até mesmo nos piores momentos. Já não sei mais o que esta acontecendo comigo.


Dezembro, 17 de 2011.

Kristen acordou muito melhor e ordenou que fôssemos para o Brasil imediatamente. Pois após conferir seu cofre imaginário e ver a Espada da Morte levou um baita susto de realidade e de repente estava melhor. Eu não entendo nem o meu humor, imagina a dos outros não é?
Agora estamos todos dentro do avião que chega em São Paulo ainda hoje. Implorei a Kristen que me deixasse sentar ao lado da janela e para minha alegria ela aceitou. Neste momento Kris esta roncando “suavemente” ao meu lado. É tarde e estou me enfartado de chocolates  enquanto escrevo isto aqui. Acho que teremos uma parada em Belo Horizonte. Os detalhes da viagem ficaram por conta de Eduardo, que tem mantido uma relação amigável comigo. E quando digo “amigável” é bem mais amigável que possa imaginar. Ele quase me beijou hoje de manhã, mas desviei e o deixei no vácuo (pediu desculpas dizendo que havia tropeçado). A cada hora que passa percebo o medo que ele esta sentindo de me perder...não quer desperdiçar um minuto ou meio segundo; e o pior é que eu o entendo. Mas preciso de tempo, há muito venho notando o número crescente de responsabilidades me cercando. Acho que não é época para relacionamentos amorosos – mesmo eu gostando dele.
Neste momento ele esta discutindo com Alice, atrás de mim. Vou ver se encontro meus fones.


Chegamos em Belo Horizonte. Céu estrelado e sem nuvens; árvores para todos os lados e língua embolada...nada mal.



Guardei o caderno – agora meu diário – na bolsa que Alice me deu. Caminho com mais rapidez para alcançar Kristen, que tinha parado pra me esperar.
– O que estava escrevendo? – Ela pergunta, enquanto penteia os cabelos  com os dedos (dormiu a viagem inteira). As mechas rosas e azuis brilhavam com mais intensidade do que antes, e isso me fez sorrir.
– Nada demais – respondo, enquanto entrelaça seu braço no meu. – Quando será que esses dois vão parar de brigar?
Aponto com a cabeça para Alice e Eduardo, alguns passos à frente. Os dois pareciam discutir um assunto sério. Apressamo-nos pelo aeroporto lotado; não estava em nossos planos nos perdermos em um país enorme como o Brasil.
– Quanta infantilidade Alice! – Eduardo a repreende. – Ai vem Cathy e Kris; vou perguntar a elas.
Eduardo se aproxima de nós e entrelaça seu braço no meu. Alice emburrada bate o pé impaciente.
– Qual o motivo da briga desta vez? – pergunta Kris, tentando disfarçar o tom sarcástico na voz.
– Alice quer passar a noite aqui e viajar amanhã de manhã – e afina a voz. – Eu detesto aviões e mereço uma noite de sono.
Nós caímos na gargalhada. Alice nos faz calar com um olhar de advertência.
– Vamos ou não viajar esta noite?
– Acho que devíamos viajar agora – digo, dando uma piscadela para Eduardo. Ele retribui. – Até porque dia 21 esta chegando como um furacão. Todos sabem o que acontece quando chegar não é...
Eles concordaram com meu argumento e Alice joga aos para cima, rendendo-se.
– Tudo bem – diz. – Eu me rendo, com uma prioridade: não viajo ao lado do Eduardo nem por uma praia inteira.
E assim fica decidido: Kris e Alice; Eduardo e eu. [Por favor não leve a malicia o fato de eu passar uma noite com Eduardo.]
Às 22:30 embarcamos. O avião levantou voou e ataquei o pote de sorvete que infelizmente tive que dividir com Eduardo.
– Já acabou – choraminguei, quando passei a língua na colher cheia de sorvete de abacaxi ao vinho. – Você comeu tudo sozinho!
Ele fez uma careta muito engraçada de espanto.
– O quê?!
Jogo a cabeça para trás em uma risada maléfica.
– Ta passando uma aeromoça, vai lá dar em cima dela vai – empurro ele enquanto se levanta para falar com a aeromoça ruiva. – Aproveita e pede bombons...to aceitando trunfas.
Eduardo olha pra mim sobre o ombro com um sorriso zombeteiro e sussurra em minha mente: Esta falando com o deus da sedução, gata.
– Convencido – murmuro pra mim mesma, rindo. Deito-me na minha poltrona e na dele, pensando se as trunfas seriam de maracujá ou de limão...e em como ele era idiota.




 Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.



sábado, 7 de julho de 2012

16- Um encontro de velhos amigos


– Diga que isso é uma piada sem graça.
Quem dera ser apenas uma piada! Alice falava a sério e isto estava marcado em seu rosto de porcelana e na fina linha de sua boca.
– Era a única maneira que encontrei para te proteger. – Pelo tom de sua voz, eu sabia, era o fim da conversa.
Mesmo que houvesse muito a discutir, permaneci em silêncio. Pois eu sabia, não havia como voltar atrás. E eu teria que suportar compartilhar até o menor dos sentimentos que eu sentisse por alguém, com ela. E isso me irritava, mas fiquei calada e tentando guardar meus pensamentos pra mim.
Comecei a notar que, realmente, o túnel ia subindo. E o teto do ressinto se aproximava, pouco, mas o suficiente pra me assustar.
– Já se perguntou onde isso vai dar? – Perguntei a Alice, que esteve em silêncio absoluto enquanto andávamos.
– Já, e receio que se tivermos sorte estamos no centro do castelo.
– Se – repeti. – Se.
Já tentou falar em um lugar vazio e amplo? Se já, sabe como a voz fica, ecoando. E foi num eco mais ou menos assim que ouvimos uma terceira voz, vinda a nossa frente. Alice parou de súbito e apagou a lanterna (desistimos de carregar um lampião); fez um “shi” baixinho para que eu nada falasse; segurou minha mão e nos levou um pouco mais para frente, onde percebemos que a luz fraca e abafada vinha do teto – há uma distancia de quatro metros de onde estávamos. Nos aproximamos o bastante para notarmos que a voz masculina vinha de cima de nós. Antes que desce três metros, Alice me puxou para que eu parasse. Tentei argumentar mas ela colocou a mão sobre minha boca, calando-me. Sussurrou baixinho em meu ouvido:
– Eles podem nos ouvir.
Uma voz feminina gritou acima de nós, suplicando:
– Não sabemos onde ela esta! Não sabemos! Não sabemos de nada! Por favor...por favor...por favor...não!
Para meu horror era a voz de Kristen, aos berros e as lágrimas. Senti meus olhos se arregalando e quis correr para salvá-la. Mas eu não podia, tinha que ficar e ouvir tudo aquilo.
A voz masculina ecoou pelo túnel; tão fria, calma e...familiar.
– Kristen Smain – foi às únicas palavras que disse por um tempo. Minha respiração era acelerada e se não fosse a mão de Alice, teria gritado de ódio. – Kristen Smain – repetiu, e isso foi o suficiente para que eu recordasse onde e quando havia ouvido esta mesma voz: no meu sonho, na mesma do trono. Era Zacarias. – Você agora é o único anjo da guarda de Lohan, seja onde estiver, e sua vida...para nada nos é útil.
Um desespero tomou conta de mim quando entendi o que ele queria dizer. Iria destruí-la para me encontrar. Sem anjo da guarda, sem proteção alguma.
Uma outra voz exclamou:
– Acha que não sabemos do que tem feito?! Como ousa interferir em nossa magia para proteger o inimigo?
A voz de Kristen estava firme quando disse as palavras seguintes:
– O seu povo destruiu Daniel. Destruíram a magia protetora de um anjo da guarda...E pior, estão usando magia antiga que eu sei. Deveriam todos ir paro o inferno! – As paredes tremeram quando ela disse as palavras finais, senti minhas pernas falharem por um momento. – Arranquem minhas asas; joguem-me na Terra; faça de mim uma escrava...mas garanto-te, enquanto minha alma existir, uma palavra sobre Catherine Lohan não ouviram.
A fúria de Zacarias deve ter sido sentida por todo o império, pois cai de joelhos no chão, senti Alice ao meu lado, caindo também. O chão tremia e parecia que o teto se desmancharia por sobre nós.
– Sou Zacarias, Smain – sua voz retumbou. – Como ousa me desafiar?
– Lúcifer – a voz de Alice; tremida, fraca mas firme, disse. – Tu és como Lúcifer.
Pedras começaram a cair sobre mim e Alice. Ela largou-me e corri para onde a luz fraca vinha. Esta saía de uma grade de ferro, agora a trinta centímetros acima de mim – o túnel havia se tornado irregular e menor. Alice parecia perdida...ou perplexa demais para se mexer.
Bati com força e arrastei a grade paro o lado, enquanto os gritos de Kristen ecoavam em meus ouvidos me fazendo chorar e tremer. Eu tinha que admitir, estava com medo.
Subi pelo pequeno buraco [O bom de ser magro é esse: você passa em qualquer lugar.] Quando sentei no chão, os pés ainda flutuando sobre o túnel; notei que estava em um luxuoso quarto, com paredes da cor de prata...O quarto era fascinante mas mal pude notar os detalhes: alguém puxava meu pé.
– Estúpida! Ele vai sentir sua presença! – A voz de Alice surgiu abaixo de mim. Puxei meu pé e engatinhei pelo quarto.
Passei por uma cama três vezes maior que a minha, era, pelo que parecia, de puro ouro. O lençol era seda preta e um cobertor de veludo branco estava jogado no chão. A cama parecia ter sido abandonada aos sustos. Não havia quadro nas paredes e o quarto parecia um tanto vazio. Em um canto estava uma escrivaninha e alguns livros, atrás uma janela aberta mostrava um crepúsculo de tirar o fôlego. Eu passara um dia e meio apenas com dois milk-shakes? Não era de se surpreender eu ter passado pelo buraco que ligava ao túnel com tanta facilidade.
Alice veio logo atrás de mim, olhando ao redor e já de pé. Levantei também – era bom sentir o ar vindo da janela. Um grito agudo de dor foi o suficiente para me despertar e me fazer correr para a porta, já à frente. Sai em um corredor vazio e cheio de portas; o corredor era tão imenso que não se podia ver o final. Engoli em seco, em qual deles estaria Kristen nesse momento? Outro grito dela e bastou para eu ter certeza que ela estava no quarto ao lado.
Parei em frente à porta, não sabia o que me esperava lá dentro e no que eu seria útil...mas eu não podia perdê-la. Alice saiu do quarto luxuoso, fechando cuidadosamente a porta. Olhou ao redor por pouco tempo, seus olhos azuis logo encontraram os meus aflitos, querendo dizer mil palavras. Uma delas seria “não se mexa”.
Respirei fundo e encostei a mão na maçaneta da porta...era de prata. A porta, de madeira.
Não faça isso, suplicou a voz de Alice em minha mente. Não há como salvá-la.
Antes que eu pudesse ter qualquer pensamento lógico, notei que estava um silêncio suspeito ao redor. Alice prendia a respiração e seus olhos estavam arregalados de medo. A porta se abriu e Zacarias me recebeu, com um grande sorriso no rosto.
– Atrasada – falou, como se tivéssemos marcado um encontro de velhos amigos. – Ou na hora do “vamos cortar o bolo”?
Sorri, uma coragem repentina me invadia.
– Ora, é melhor que o bolo esteja bom pois estou morta de fome.
Um riso amargo escapou de seus lábios rosados. Zacarias era um branquelo, alto e careca. Poderia ser comparado com um jogador de basquete por causa do tamanho, se não estivesse com...o que era aquilo? Um vestido de seda? A coisa ia até os pés.
– Mateus me contou que você era muito engraçadinha. Fantástico! Vamos ver se irá fazer piada com a destruição da amiga.
Zacarias segurou meu braço. Alguém segurou o outro, Alice, e uma luz branca me cercou, enchendo-me de forças. Eu me sentia alimentada, descansada e pronta para uma batalha se fosse preciso. Zacarias me soltou no mesmo instante, ele encarava Alice. Ela disse, mais corajosa do que pudesse imaginar.
– Não toque em minha protetora, Zacarias. Não queria testar os poderes de um anjo da guarda. Não o maior deles, pois vejo que tem se divertido com um dos meus.
Um homem baixinho, gordo e feio surgiu atrás de Zacarias. Senti a confiança de Alice passar para mim, me deixando com mais energia.
– Alice Lian. – Comprimento, uma nota de insegurança em sua voz.
– Louis Zafanih – sorriu. – Trazendo demônios para o céu, Zacarias? Afinal, já não sei mais de que lado está.
Outro homem (anjo?) surgiu logo atrás de Louis, bem mais alto e também bronzeado. Ele comprimento Alice como se a tivesse visto na rua, por acaso, e a tivesse reconhecido de um passado distante. Alice não parecia mais tão à vontade.
– Meredith. Você já foi um anjo melhor meu caro.
Espiei dentro do quarto, era imenso, mas não havia nada a minha vista. O quarto estava vazio.
– Entrem – era mais uma ordem que um pedido. Zacarias trancou a porta atrás de nós (não gostei daquilo); do outro lado jazia Kristen, jogada no chão, contorcendo-se de dor. Corri para ela mas Alice manteve o aperto de braço firme, a luz brilhou com mais intensidade ao meu redor.
– Kristen?! – gritei. Ela abriu os olhos com esforço e sorriu. – Kristen.
– Sabia que viria – sua voz falhava e ela respirava com dificuldade. – Minha guerreira, sabia que viria.
Kristen estava nua e sangue escorria de dois cortes profundos em suas costas. Onde antes estavam suas asas.
– Ela não é mais sua protetora – disse Zacarias. – Mas parece que já a substituiu.
– Fiz um juramento – respondeu Alice, por mim. – Agora terão de me destruir para destruí-la. Destruí-la para me destruir. Sabe muito bem como isso funciona, Zacarias. Um pelo outro.
Fiquei surpresa com suas palavras e Meredith notou isso.
– Não conhece este fato, Lohan? – ele prosseguiu como se falasse consigo mesmo. – Quando um anjo da guarda faz um juramento a sangue, com a promessa de proteger o humano em quaisquer circunstâncias, ele tem acesso a seus sentimentos, sua mente, seus medos,  suas esperanças. Mas isso também pode enfraquecê-lo, tornar o anjo mais fraco...às vezes o deixa velho e esgota seus poderes. Às vezes o fortalece o enriquece de poder. Mas tem a ligação: os dois devem ser destruídos juntos. E isso é impossível quando o anjo esta protegendo o humano, ou no seu caso, meio-humano.
Estava perplexa demais para dizer qualquer coisa. Virei para Alice, que assentiu as palavras de Meredith.
Você não me contou isso, disparei para a mente dela.
Perdoe-me, sussurrou de volta. Não queria assustá-la.
Tarde demais, pensei com meus botões.
– Profundo – murmurou Zacarias que – não sei como – já estava ao lado de Kristen, passando gentilmente a mão em seu rosto. – Mas queria saber... Por que Lian, por que fez isso?
– Não vou ficar sentada enquanto faz do Império o que bem entender. Quero Miguel no trono, não você.
– Miguel, o verdadeiro traidor?
Alice apertou com ainda mais força o meu braço. Sua voz fez o chão tremer a nossos pés.
– Não ouse acusá-lo de traidor. Não quando você traz um filho de Lúcifer para o céu. Magia negra e antiga esta, Zacarias. Nenhum demônio pode entrar no Céu sem a autorização de...de...
– De Deus – completou Louis. – O Deus de vocês já não se importa mais. Basta agora a autorização do Imperador do Céu.
– Miguel, você quer dizer. – Alice o corrigiu, mas havia entendido tudo.
– O Céu, o Império, os anjos...tudo. Tudo é meu, Alice. Tudo. Tenho o poder de expulsá-la do Céu, agora, se eu quiser.
– Não. Sou uma protetora, Zacarias. A única que ninguém pode controlar. Nem mesmo o imperador.
Ele riu, mas nada disse. Ele sabia que Alice tinha razão, e Louis também, pois senti ele se afastar mais para a porta, como quem tenta fugir.
– Que confusão! – exclamou Meredith, quebrando o silencio. – Uma tremenda confusão. Mas e agora, Zacarias: os prendemos ou destruímos?
Zacarias que estava agachado ao lado de Kristen (que ainda se contorcia de dor) se virou para mim, seus olhos encontrando os meus, intimidando-me com seu poder.
– Vai prender-nos? – zombou Alice ao meu lado. – Vai?
Os dois pareciam saber de algo que nenhum ali no recinto, exceto os dois, sabia. Zacarias deu um longo e demorado suspiro, tocou em Kristen, esta desapareceu. Sem olhar para Alice, respondeu:
– Não. Mas se caírem em minhas mãos novamente, Lian, juro por minha existência, farei de vocês quatro pedacinhos. Suma da minha frente garota.
Pisquei e já estava em outro lugar: em um quarto de hotel. Da janela podia se ver o amanhecer e o som do trânsito de uma movimentada cidade, explodia lá embaixo. Alice soltou meu braço, no mesmo momento em que fui envolvida em braços largos e confortáveis. Reconheci o perfume e o formato dos ombros; o modo de respirar e o riso baixo. Eduardo McLean. Por detrás dele vi de relance Kristen sentada na cama, curvada e pálida. Parecia doente, mas sorriu sem graça e começou a dizer algo na qual eu não consegui ouvir, pois cai da cama: Eduardo perderá o equilíbrio e me levará para o chão. Ele riu perto do meu ouvido e longe dos olhares dos outros, curvou-se sobre mim e me beijou. Foi o beijo mais curto da minha vida, pois foi interrompido por um sorriso meu.



 Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.

domingo, 1 de julho de 2012

15- Deixam-me a par das noticias


É notável que eu estava perdidamente confusa. Não sabia onde o túnel me levaria, e agora teria que escolher entre três.
Eu havia virado para direita, esquerda, direita, direita e mais esquerda por todo o túnel. Era óbvio que eu não sabia onde me encontrava. Tudo bem, eu seguiria para frente. As pessoas dizem que sempre devemos ir em frente. Que todos aqueles conselhos ajudassem agora.
Caminhei túnel adentro na esperança que fosse ficar menos escuro, mas continuava aquele breu assustador. E não se via sinal de vida. Nada se movia ou fazia barulho. Nem mesmo morcegos eu encontrei: um silêncio mortal.
Cheguei a uma parte do túnel onde era mais largo (e não menos escuro), por todo o trajeto o chão era liso e as paredes úmidas. Caminhei pelo que pareceu ser horas, ou até mesmo segundos. Direita, esquerda. Esquerda, direita. Procurei dentro de minha bolsa algo que fosse útil para se acampar em túnel: encontrei um saco de dormir.
De uma coisa eu estava certa: não caminharia mais com todo aquele cansaço, sede, fome, sono e tédio. Ajeitei o saco de dormir no chão e me deitei. Dormi de imediato. E logo depois já estava sonhando.
Alice estava em um túnel parecido com que eu estava, o que era irônico já que tudo era igual ali. Um lampião flamejava ao seu lado, ela mantinha uma postura formal e “insuportável”. Eu estava em minha forma real, como se estivesse realmente ali. Mas tudo me dizia que era um sonho: as paredes tremulavam como vídeo mal feito; a própria Alice parecia irreal.
— O que esta fazendo no meu sonho? — perguntei, olhando ao redor.
— Precisamos conversar, garota. — Alice estava como eu a havia encontrado antes: cabelos loiros e cacheados até a cintura; a expressão de quem tem o mundo aos seus pés e tirando o fato da roupa normal — calça jeans e camiseta — estava a mesma. Fiz um agradecimento silencioso por ela não estar com o vestido rosa “cheguei!”.
— Ah, sim. Claro! Mas você não devia estar no Departamento?
Ela deu de ombros, como se aquilo fosse um assunto do passado.
— Você tinha razão: não adianta continuar com meu trabalho se está tudo um caos. Acredite no que estou lhe dizendo, a Terra, o céu e não duvido que até o inferno esta um caos. E a única saída é honrar minha raça e o que faço de melhor: proteger. — Era difícil imaginar Alice como uma protetora, principalmente quando ela estava mexendo nas cutículas da unha enquanto dizia tudo aquilo. — E cheguei à conclusão de que devo te proteger. Não sei lutar. Confesso que, por todas as eras que existo, nunca passou por minha cabeça aprender a lutar. E não sou como um simples anjo da guarda. Não tenho os mesmo poderes, e o que tenho não foram feitos para atacar ou usar ao meu favor. Foram feitos para proteger, independente de quem ou do quê. Por isso estou aqui, quero guiá-la.
Engulo em seco. Não esperava por essa confissão, e nem por ela ali, disposta a ajudar.
— Guiar-me? Não estou perdida — menti.
— Esta sim. E se me disser que caminho escolheu quando chegou à encruzilhada, eu ficaria feliz.
— Vai me ajudar? — Mesmo no sonho, minha voz saiu rouca e baixa. — Disse que não ia me ajudar.
— Vou. É o mínimo que posso fazer por Eduardo.
Estava tudo explicado, ninguém vem me ajudar pra me ajudar. Era por Eduardo.
— Escolhi o caminho para frente. Tem direita e esquerda, fui para o que vai à frente...E Aline, por que esta demorando tanto para chegarmos ao castelo? Você disse que me mandaria para perto.
Ela deu um sorriso angustiante de uma perfeita “filhinha de papai”.
— Eu disse que lhe mandaria para perto? Acho que exagerei no perto...bem, de toda a forma, já estamos no perímetro do castelo, talvez você esteja embaixo dele. Reparou que o túnel vai subindo?
— Não — confessei.
— Pois vai. E é por isso que não morreu sem oxigênio...Ops! Tenho o azar que você não pode morrer.
Tentei retrucar, mas o cenário logo mudou e eu já estava em outro lugar: um quarto pequeno, sem portas e sem janelas. A luz fraca que vinha do teto refletiu dois rostos pálidos e cansados. Kristen e Eduardo. Quando vi os dois, meus batimentos dispararam. Pensei que meu coração sairia pela boca ou explodiria dentro do peito. Os dois estavam de mantos brancos e descalços. Kristen parecia ainda mais cansada do que você pode imaginar, mesmo sorrindo parecia triste. E seus cabelos coloridos já não tinham o mesmo brilho de antes, pela primeira vez, pensei que Kris se desmancharia ali na minha frente...de tanta tristeza.
Já Eduardo...não vou emitir o fato que parei de respirar quando o vi ali, a cabeça levemente caída sobre o ombro; uma das sobrancelhas levantadas; um sorriso se formando no canto de sua boca. Ele se endireitou e passou a mão nos cabelos — deixando-os ainda mais bagunçados. Eu poderia ficar ali, pro resto da eternidade o olhando, porque eu sabia: ele era meu. Eu o amava e o tinha, estava escrito em seu sorriso perturbador. “Adoro você” quis dizer, mas as palavras não saíram. O silêncio era reconfortante entre nós, mesmo não o tendo nos braços e mal podendo me mover. Estava paralisada por seu modo carismático de sorrir.
Não sabia o que dizer e pra minha sorte, Kristen estava ali para quebrar o gelo.
— Temos que ser rápidos, Cathy. Não podemos manter o contato por muito tempo — explicou, comecei a prestar mais atenção em sua presença. — Antes de tudo, devo perdão por tudo. Pela perda de memória, à volta ao passado e nosso...desaparecimento. Naquele dia fomos pegos desprevenidos. Os arcanjos estão reunindo magia há muito tempo não usado. Estão malucos pelo trono. Capazes de qualquer coisa. Nunca imaginamos que fossem recorrer à magia tão antiga...ora, desfazer a proteção de um anjo da guarda — servo de Miguel — não é nada comum...
— E foi nossa única alternativa — Eduardo suplicou, pela primeira vez. — Não tínhamos nem um minuto para pensar e...Nos perdoe! Perdoe-me. Não devia ter dito a você que não a queria naquela missão. Cathy, eu só estava querendo te proteger. Eu me via como um monstro e você a mocinha desprotegida. Você é mais forte do que eu imaginava....Perdoe-me, só queria te proteger.
Lembrei minha opinião sobre Edward Cullen: um cara que só queria proteger. E me vendo ali, como Bella Swan...uma náusea perpassou minhas estranhas. Agora eu entendia porque Bella amava a tal modo Edward: toda mulher deseja ser protegida, mesmo nas horas erradas. Eduardo McLean tentou correr para mim, mas uma barreira invisível o mandou de volta, ele bufou e sua imagem tremeluziu e quase desapareceu.
Pensei em Alice e no tempo em que ela gostava de Eduardo. Na minha promessa de ser como um robô: não sentir nada. Respirei fundo, já havia caído no “jogo dos homens” uma vez, Sam, um traidor debilóide.
— Acho que deveria estar gastando seu tempo me dizendo como chegar até aqui. — Mal reconheci minha voz, tão fria e cruel estava. — Kristen, Alice esta vindo me ajudar. Vamos encontrar uma maneira de tirá-los daqui. E minha espada?
Sabia que ficaria arrependida assim que acordasse, mas no momento não estava sendo muito lógica.
— Muito bem guardada comigo, Cathy. Se é que ainda confia em nós.
Um sorriso amargo escapou de meus lábios e o sonho acabou.


Acordei de um salto com a voz de Alice, ela me cutucava com o pé e dizia algo como “não temos o dia inteiro”.
— Hum? — falei sonolenta. — Que horas são? Quando chegou aqui?...Eu não ronquei, ronquei?
Você deve estar pensando “Com tanta coisa pra perguntar, você pergunta isso Cathy?”. Mas ei, vai ser acordada pela senhora da beleza, você se sente um lixo em decadência.
— Você fala enquanto dorme — um riso educado perpassou seu rosto. Levantei sem jeito e já arrumando meus cabelos. — E cheguei a umas quatro horas, tava muito cansada e acampei aqui — ela apontou para um saco de dormir ao lado —, acabei de acordar.
É claro, ela já acorda bonita. Muito simpático. Desculpa ai se já acordo e durmo feia (E estamos tratando aqui de uma feiúra profissional).
— Precisamos seguir adiante — digo, depois de um silencio desconfortável. — Acho que estamos no caminho certo. Temos que estar.
Não contei nada sobre meu sonho com Eduardo e Kristen. O arrependimento estava começando a me dominar. Queria poder ficar ali, largada no chão a luz do lampião, chorando por meus erros.
Tentar enterrar o coração, os sentimentos e os sentidos emocionais não é tão fácil quanto você possa imaginar. Você quer chutar tudo, desde algo sólido a duro. E o pior não era isso, era ter que sorrir como se tudo estivesse bem. Mas nada nunca esta bem.
Vou lhe dar um conselho: não se apaixone. Pois a felicidade pode ser incondicional no começo, mas meu bem, você vai sofrer uma hora. Até as princesas e príncipes de contos de fadas sofrem, por que você não sofreria? Eu não sofreria?
Cheguei à conclusão que deveria fazer faculdade de psicologia. Daria uma boa conselheira. Não? Vou contar-te um segredo: concordo plenamente com você.
Enquanto Alice e eu caminhávamos, resolvi tirar uma duvida incomoda.
— Aquela hora em que você me mandou para um bosque...Eu viajei nas sombras?
— Sim. Por que?
— Porque eu não podia viajar assim sem que centenas de anjos fossem a minha procura.
— Que estranho — comentou, pensativa. — Diga-me uma coisa...Desde a hora em que saiu do hospital até aqui... esta achando tudo muito fácil?
Pensei na facilidade em que sai do hospital; até as roupas que eu gostava do quarto hospitalar; em ninguém me rastrear por eu viajar nas sombras...
— Definitivamente suspeito. E quando sai do hospital — muito fácil aliás — senti que me...observavam.
— Também senti uma presença diferente.
— Também? Você estava lá?
— Lembre-se que só você foi para o passado. Daniel, Kristen e Eduardo...eles, bem, continuaram como estavam.
Resolvi contar a Alice sobre meu sonho com Zacarias e todos os anjos no saguão do castelo. Ela pareceu surpresa quando cheguei na parte em que disseram que eu estava protegida por Dan e Kristen, mesmo com tudo que havia acontecido a eles. Principalmente Dan.
— Eles estavam mentindo! — exclamou. — Não há como um espírito voltar ao passado e... — vi um sorriso maligno se formando no rosto de Alice.  — Tolos. Tolos arcanjos! Às vezes me esqueço que eles não têm informações sobre a guarda dos humanos. É claro, pensaram que tudo havia voltado contigo, pelo menos as pessoas envolvidas na sua vida. O que na verdade não é um pensamento tão ilógico quanto possa imaginar. Acontece que, as coisas continuaram a funcionar aqui no céu, os dias — a seu modo — estavam normais. Assim como Daniel não podia voltar...voltar à vida.
Alice hesitou. Tomei mais um pouco de milk-shake (saído da bolsinha de batom!), a lógica dos acontecimentos estavam só começando a ficar interessante.
— Os anjos acham que estou perdida, por causa dos dias que passei para viajar nas sombras...sozinha.
— Exato. O que me deixa com uma pergunta na cabeça: se estiverem mesmo pensando isso, por que não te rastrearam? Não entendo.
Faço um barulho irritante que é tomar as ultimas gotas em um copo, com canudinho. Alice revira os olhos pra minha infantilidade.
— Mas Alice, o que não entendo é como sabe de tudo que fiz...cada movimento meu. — Não há deixo responder; interrompo-a, era a minha vez de raciocinar. — Se sabe de tudo, diga-me: que ave foi aquela no meu suposto acidente?
— Eu...eu...é que... — adoro deixar as pessoas gaguejando —, aquilo não foi uma ave. Era um anjo em forma natural; não se engane, cada um tem uma forma diferente, mas todos nós temos asas.
— Hum. E como sabe de tudo isso, do acidente e tudo o mais?
— Escolhi ser seu anjo da guarda, Cathy. E quando se faz esse juramento, é normal o anjo da guarda saber de tudo que ocorre na vida do protegido. — Ela suspirou. —  Kristen foi encarregada de ser seu anjo da guarda. Já eu fiz um juramento, assim, sei tudo que te intimida, te amedronta...das pessoas que você ama. Odeia. Seus segredos mais obscuros e os pensamentos mais irreais. Conheço-te mais do que você mesma. Sinto muito, sei que não esta gostando de nada disso. Posso ler seus sentimentos agora mesmo.
Entalo com o ar que estava vindo no canudinho de milk-shake.
— Você o que? — Grito, mesmo tendo entendido perfeitamente.


 Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.