sábado, 7 de julho de 2012

16- Um encontro de velhos amigos


– Diga que isso é uma piada sem graça.
Quem dera ser apenas uma piada! Alice falava a sério e isto estava marcado em seu rosto de porcelana e na fina linha de sua boca.
– Era a única maneira que encontrei para te proteger. – Pelo tom de sua voz, eu sabia, era o fim da conversa.
Mesmo que houvesse muito a discutir, permaneci em silêncio. Pois eu sabia, não havia como voltar atrás. E eu teria que suportar compartilhar até o menor dos sentimentos que eu sentisse por alguém, com ela. E isso me irritava, mas fiquei calada e tentando guardar meus pensamentos pra mim.
Comecei a notar que, realmente, o túnel ia subindo. E o teto do ressinto se aproximava, pouco, mas o suficiente pra me assustar.
– Já se perguntou onde isso vai dar? – Perguntei a Alice, que esteve em silêncio absoluto enquanto andávamos.
– Já, e receio que se tivermos sorte estamos no centro do castelo.
– Se – repeti. – Se.
Já tentou falar em um lugar vazio e amplo? Se já, sabe como a voz fica, ecoando. E foi num eco mais ou menos assim que ouvimos uma terceira voz, vinda a nossa frente. Alice parou de súbito e apagou a lanterna (desistimos de carregar um lampião); fez um “shi” baixinho para que eu nada falasse; segurou minha mão e nos levou um pouco mais para frente, onde percebemos que a luz fraca e abafada vinha do teto – há uma distancia de quatro metros de onde estávamos. Nos aproximamos o bastante para notarmos que a voz masculina vinha de cima de nós. Antes que desce três metros, Alice me puxou para que eu parasse. Tentei argumentar mas ela colocou a mão sobre minha boca, calando-me. Sussurrou baixinho em meu ouvido:
– Eles podem nos ouvir.
Uma voz feminina gritou acima de nós, suplicando:
– Não sabemos onde ela esta! Não sabemos! Não sabemos de nada! Por favor...por favor...por favor...não!
Para meu horror era a voz de Kristen, aos berros e as lágrimas. Senti meus olhos se arregalando e quis correr para salvá-la. Mas eu não podia, tinha que ficar e ouvir tudo aquilo.
A voz masculina ecoou pelo túnel; tão fria, calma e...familiar.
– Kristen Smain – foi às únicas palavras que disse por um tempo. Minha respiração era acelerada e se não fosse a mão de Alice, teria gritado de ódio. – Kristen Smain – repetiu, e isso foi o suficiente para que eu recordasse onde e quando havia ouvido esta mesma voz: no meu sonho, na mesma do trono. Era Zacarias. – Você agora é o único anjo da guarda de Lohan, seja onde estiver, e sua vida...para nada nos é útil.
Um desespero tomou conta de mim quando entendi o que ele queria dizer. Iria destruí-la para me encontrar. Sem anjo da guarda, sem proteção alguma.
Uma outra voz exclamou:
– Acha que não sabemos do que tem feito?! Como ousa interferir em nossa magia para proteger o inimigo?
A voz de Kristen estava firme quando disse as palavras seguintes:
– O seu povo destruiu Daniel. Destruíram a magia protetora de um anjo da guarda...E pior, estão usando magia antiga que eu sei. Deveriam todos ir paro o inferno! – As paredes tremeram quando ela disse as palavras finais, senti minhas pernas falharem por um momento. – Arranquem minhas asas; joguem-me na Terra; faça de mim uma escrava...mas garanto-te, enquanto minha alma existir, uma palavra sobre Catherine Lohan não ouviram.
A fúria de Zacarias deve ter sido sentida por todo o império, pois cai de joelhos no chão, senti Alice ao meu lado, caindo também. O chão tremia e parecia que o teto se desmancharia por sobre nós.
– Sou Zacarias, Smain – sua voz retumbou. – Como ousa me desafiar?
– Lúcifer – a voz de Alice; tremida, fraca mas firme, disse. – Tu és como Lúcifer.
Pedras começaram a cair sobre mim e Alice. Ela largou-me e corri para onde a luz fraca vinha. Esta saía de uma grade de ferro, agora a trinta centímetros acima de mim – o túnel havia se tornado irregular e menor. Alice parecia perdida...ou perplexa demais para se mexer.
Bati com força e arrastei a grade paro o lado, enquanto os gritos de Kristen ecoavam em meus ouvidos me fazendo chorar e tremer. Eu tinha que admitir, estava com medo.
Subi pelo pequeno buraco [O bom de ser magro é esse: você passa em qualquer lugar.] Quando sentei no chão, os pés ainda flutuando sobre o túnel; notei que estava em um luxuoso quarto, com paredes da cor de prata...O quarto era fascinante mas mal pude notar os detalhes: alguém puxava meu pé.
– Estúpida! Ele vai sentir sua presença! – A voz de Alice surgiu abaixo de mim. Puxei meu pé e engatinhei pelo quarto.
Passei por uma cama três vezes maior que a minha, era, pelo que parecia, de puro ouro. O lençol era seda preta e um cobertor de veludo branco estava jogado no chão. A cama parecia ter sido abandonada aos sustos. Não havia quadro nas paredes e o quarto parecia um tanto vazio. Em um canto estava uma escrivaninha e alguns livros, atrás uma janela aberta mostrava um crepúsculo de tirar o fôlego. Eu passara um dia e meio apenas com dois milk-shakes? Não era de se surpreender eu ter passado pelo buraco que ligava ao túnel com tanta facilidade.
Alice veio logo atrás de mim, olhando ao redor e já de pé. Levantei também – era bom sentir o ar vindo da janela. Um grito agudo de dor foi o suficiente para me despertar e me fazer correr para a porta, já à frente. Sai em um corredor vazio e cheio de portas; o corredor era tão imenso que não se podia ver o final. Engoli em seco, em qual deles estaria Kristen nesse momento? Outro grito dela e bastou para eu ter certeza que ela estava no quarto ao lado.
Parei em frente à porta, não sabia o que me esperava lá dentro e no que eu seria útil...mas eu não podia perdê-la. Alice saiu do quarto luxuoso, fechando cuidadosamente a porta. Olhou ao redor por pouco tempo, seus olhos azuis logo encontraram os meus aflitos, querendo dizer mil palavras. Uma delas seria “não se mexa”.
Respirei fundo e encostei a mão na maçaneta da porta...era de prata. A porta, de madeira.
Não faça isso, suplicou a voz de Alice em minha mente. Não há como salvá-la.
Antes que eu pudesse ter qualquer pensamento lógico, notei que estava um silêncio suspeito ao redor. Alice prendia a respiração e seus olhos estavam arregalados de medo. A porta se abriu e Zacarias me recebeu, com um grande sorriso no rosto.
– Atrasada – falou, como se tivéssemos marcado um encontro de velhos amigos. – Ou na hora do “vamos cortar o bolo”?
Sorri, uma coragem repentina me invadia.
– Ora, é melhor que o bolo esteja bom pois estou morta de fome.
Um riso amargo escapou de seus lábios rosados. Zacarias era um branquelo, alto e careca. Poderia ser comparado com um jogador de basquete por causa do tamanho, se não estivesse com...o que era aquilo? Um vestido de seda? A coisa ia até os pés.
– Mateus me contou que você era muito engraçadinha. Fantástico! Vamos ver se irá fazer piada com a destruição da amiga.
Zacarias segurou meu braço. Alguém segurou o outro, Alice, e uma luz branca me cercou, enchendo-me de forças. Eu me sentia alimentada, descansada e pronta para uma batalha se fosse preciso. Zacarias me soltou no mesmo instante, ele encarava Alice. Ela disse, mais corajosa do que pudesse imaginar.
– Não toque em minha protetora, Zacarias. Não queria testar os poderes de um anjo da guarda. Não o maior deles, pois vejo que tem se divertido com um dos meus.
Um homem baixinho, gordo e feio surgiu atrás de Zacarias. Senti a confiança de Alice passar para mim, me deixando com mais energia.
– Alice Lian. – Comprimento, uma nota de insegurança em sua voz.
– Louis Zafanih – sorriu. – Trazendo demônios para o céu, Zacarias? Afinal, já não sei mais de que lado está.
Outro homem (anjo?) surgiu logo atrás de Louis, bem mais alto e também bronzeado. Ele comprimento Alice como se a tivesse visto na rua, por acaso, e a tivesse reconhecido de um passado distante. Alice não parecia mais tão à vontade.
– Meredith. Você já foi um anjo melhor meu caro.
Espiei dentro do quarto, era imenso, mas não havia nada a minha vista. O quarto estava vazio.
– Entrem – era mais uma ordem que um pedido. Zacarias trancou a porta atrás de nós (não gostei daquilo); do outro lado jazia Kristen, jogada no chão, contorcendo-se de dor. Corri para ela mas Alice manteve o aperto de braço firme, a luz brilhou com mais intensidade ao meu redor.
– Kristen?! – gritei. Ela abriu os olhos com esforço e sorriu. – Kristen.
– Sabia que viria – sua voz falhava e ela respirava com dificuldade. – Minha guerreira, sabia que viria.
Kristen estava nua e sangue escorria de dois cortes profundos em suas costas. Onde antes estavam suas asas.
– Ela não é mais sua protetora – disse Zacarias. – Mas parece que já a substituiu.
– Fiz um juramento – respondeu Alice, por mim. – Agora terão de me destruir para destruí-la. Destruí-la para me destruir. Sabe muito bem como isso funciona, Zacarias. Um pelo outro.
Fiquei surpresa com suas palavras e Meredith notou isso.
– Não conhece este fato, Lohan? – ele prosseguiu como se falasse consigo mesmo. – Quando um anjo da guarda faz um juramento a sangue, com a promessa de proteger o humano em quaisquer circunstâncias, ele tem acesso a seus sentimentos, sua mente, seus medos,  suas esperanças. Mas isso também pode enfraquecê-lo, tornar o anjo mais fraco...às vezes o deixa velho e esgota seus poderes. Às vezes o fortalece o enriquece de poder. Mas tem a ligação: os dois devem ser destruídos juntos. E isso é impossível quando o anjo esta protegendo o humano, ou no seu caso, meio-humano.
Estava perplexa demais para dizer qualquer coisa. Virei para Alice, que assentiu as palavras de Meredith.
Você não me contou isso, disparei para a mente dela.
Perdoe-me, sussurrou de volta. Não queria assustá-la.
Tarde demais, pensei com meus botões.
– Profundo – murmurou Zacarias que – não sei como – já estava ao lado de Kristen, passando gentilmente a mão em seu rosto. – Mas queria saber... Por que Lian, por que fez isso?
– Não vou ficar sentada enquanto faz do Império o que bem entender. Quero Miguel no trono, não você.
– Miguel, o verdadeiro traidor?
Alice apertou com ainda mais força o meu braço. Sua voz fez o chão tremer a nossos pés.
– Não ouse acusá-lo de traidor. Não quando você traz um filho de Lúcifer para o céu. Magia negra e antiga esta, Zacarias. Nenhum demônio pode entrar no Céu sem a autorização de...de...
– De Deus – completou Louis. – O Deus de vocês já não se importa mais. Basta agora a autorização do Imperador do Céu.
– Miguel, você quer dizer. – Alice o corrigiu, mas havia entendido tudo.
– O Céu, o Império, os anjos...tudo. Tudo é meu, Alice. Tudo. Tenho o poder de expulsá-la do Céu, agora, se eu quiser.
– Não. Sou uma protetora, Zacarias. A única que ninguém pode controlar. Nem mesmo o imperador.
Ele riu, mas nada disse. Ele sabia que Alice tinha razão, e Louis também, pois senti ele se afastar mais para a porta, como quem tenta fugir.
– Que confusão! – exclamou Meredith, quebrando o silencio. – Uma tremenda confusão. Mas e agora, Zacarias: os prendemos ou destruímos?
Zacarias que estava agachado ao lado de Kristen (que ainda se contorcia de dor) se virou para mim, seus olhos encontrando os meus, intimidando-me com seu poder.
– Vai prender-nos? – zombou Alice ao meu lado. – Vai?
Os dois pareciam saber de algo que nenhum ali no recinto, exceto os dois, sabia. Zacarias deu um longo e demorado suspiro, tocou em Kristen, esta desapareceu. Sem olhar para Alice, respondeu:
– Não. Mas se caírem em minhas mãos novamente, Lian, juro por minha existência, farei de vocês quatro pedacinhos. Suma da minha frente garota.
Pisquei e já estava em outro lugar: em um quarto de hotel. Da janela podia se ver o amanhecer e o som do trânsito de uma movimentada cidade, explodia lá embaixo. Alice soltou meu braço, no mesmo momento em que fui envolvida em braços largos e confortáveis. Reconheci o perfume e o formato dos ombros; o modo de respirar e o riso baixo. Eduardo McLean. Por detrás dele vi de relance Kristen sentada na cama, curvada e pálida. Parecia doente, mas sorriu sem graça e começou a dizer algo na qual eu não consegui ouvir, pois cai da cama: Eduardo perderá o equilíbrio e me levará para o chão. Ele riu perto do meu ouvido e longe dos olhares dos outros, curvou-se sobre mim e me beijou. Foi o beijo mais curto da minha vida, pois foi interrompido por um sorriso meu.



 Cathy Lohan e os Espíritos da Morte
Por: Carol C.

4 comentários:

  1. O Eduardo volto ameiii
    Mas to confusa agora

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  2. aiai to anciosa para o próximo capitulo já ... Carolsinha qnd vai sair o proximo?bjs

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  3. Divã >.< , quando sai o próximo?

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  4. Perfeito!!! Eu necessito muuuiito do próximo, quando sai??

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