sábado, 23 de junho de 2012

13- Nunca ignore um taxista: ele pode ser sua salvação.


Uma boa noticia: eu havia recuperado minha memória.
Má noticia: centenas de anjos estavam a minha procura.
Uma pessoa como eu já devia estar acostumada com o azar. Mas é inacreditável: perdi minha memória, voltei no tempo, Kristen não da noticias e uns bandos de anjos assassinos estavam a minha procura. E pior, eu ainda não tinha a menor ideia do que havia feito o carro capotar. De uma coisa eu estava certa: não era uma ave. Um anjo? Talvez. Ouvi boatos de que humanos não podiam ver as asas dos anjos. Boatos. Humanos.
E isso não tinha nada a ver comigo.
Eu estava irada. Tipo, Eduardo me joga no passado por simplesmente gostar de mim e eu nem sequer pude reclamar! Teria uma boa conversa com o senhor McLean quando o vise. Primeiro eu tinha que fugir daquele hospital e dar um jeito de voltar para o futuro [Voltar no futuro, veja bem aonde fui parar]. Zacarias havia dito que eu era uma criança birrenta que não sabia fazer nada, mimada e filhinha do papai. [Eu sei, não foi tudo isso, mas é pra dar um toque de emoção no discurso em geral.] E aquele sonho estranho. Talvez fosse só mais uma perturbação, invenção da minha cabeça. Eu afinal, sempre fui criativa.
O.k., agora é sério. Eu tinha que fugir do hospital e arranjar um jeito de concertar as coisas, por mais que eu não soubesse nem onde estavam meus chinelos.
Olhei por todo o quarto a procura de algo que pudesse me ajudar a sair dali – uma janela ou coisa parecida –, havia uma, mas com grade. Eu poderia quebrá-la e ir voando...nossa, nada inteligente. Pensando melhor, a ideia de aparatar (como diz Harry Potter) era mais fácil. Só tinha um problema: eu não sabia viajar nas sombras.
Suspirei, indignada.
Meu corpo não doía, apesar do acidente, e eu me sentia bem. Vistoriei todo ele atrás de algum machucado ou algo parecido: nada. Se raiva fosse dor, estaria cheia dela.
– Merda. Merda. Merda.
Ao lado da cama tinha uma mesinha, contendo roupas jogadas ali.
Sorte, pensei. Você veio!
Vestia uma daquelas roupas de hospital: uma coisa nomeada vestido. E azul doentio. Eca! Peguei a calça jeans e a blusa branca. Por sorte era uma das minhas favoritas, que tinha escrito “me gusta” bem grande. Me gusta. A única coisa ruim é que não achava meus chinelos dos memes, isso era chantagem com minhas emoções.
 Não sabia quem tinha deixado as roupas lá, que dia era hoje, se eu tinha perdido meu aniversário e por quê eu não estava machucada; mas resolvi ir ao banheiro tomar um banho e arrumar meus cabelos. Que infelizmente estavam grandes. Eu os queria pequenos, e queria meus óculos. E queria minha vida de antes.
Antes quando tudo era normal ou antes, quando conheci Eduardo? Definitivamente, não fazia ideia.
Uma coisa era certa: eu esganaria e faria de Sam, picadinhos. E Eduardo também, é claro.
Se eu estava me gabando por ter um namorado humano e um anjo apaixonado por mim, esquece, não estou mais. Magoada, angustiada, furiosa era pouco pra expressar minha situação com eles.
No banheiro me joguei em baixo do chuveiro. A água estava quente e maravilhosa, e isso poderia me ajudar a pensar com clareza.
Kristen e Daniel ainda eram meus anjos da guarda. Disso eu sabia. Eduardo teria me lançado no passado por razões sentimentais, ou ele pressentira algo ruim e tentou me proteger? E se tudo fosse um truque para roubarem a espada da Morte? Talvez eu não devesse confiar em mais ninguém daqui para frente. Confiei de corpo e alma e me traíram. Eu era uma tonta que achava que podia confiar em qualquer um assim, sem mais nem menos. Que qualquer um que batesse na minha porta fosse bom o suficiente pra eu me entregar, por inteira. Desde os anjos até o mais miserável humano. Nada. Ninguém merece confiança, ninguém mais parece digno a isso.
Fiquei mais alguns minutos embaixo do chuveiro, sai e vesti as roupas que estavam jogadas no chão. Encontrei meu All-star preto surrado no quarto, um pouco escondidos ao lado de um pequeno armário. As coisas estavam muito fáceis. E já tinha aprendido que nada é fácil na vida. Definitivamente suspeito.
Calcei os tênis e voltei ao banheiro. Estudei minha imagem no espelho: cabelos grandes e sem óculos, não era eu. Se eu tivesse um poder para me transformar no que quisesse – fisicamente. Não fechei os olhos, apenas desejei meus cabelos curtos. Uma névoa prata e brilhante envolveu todo o meu cabelo. Pisquei, surpresa, e já havia desaparecido. Meus cabelos curtos e repicados tomavam o lugar. Sorri e estendi a mão, desejando meus óculos, a luz prata apareceu na minha mão e desapareceu. No lugar, óculos redondos e meios quadrados iluminavam e chamavam-me. Coloquei-os e dei uma piscadela pra minha imagem no espelho. Se algum trouxa por ai pensou que brincaria comigo e eu ficaria chorando pelos cantos, sem ação alguma, estava completamente enganado. Jogaria meus cabelos para trás , ajeitaria meus óculos e enfrentaria o mundo. Já disse que não posso morrer? Pois é, não posso. Tudo bem que estava sem namorado e sem informação nenhuma. Sem muita coisa que podia ajudar e até mesmo sozinha – eu sei, nasci pra ficar sozinha pro resto da vida. Mas eu não me importava. Pelo menos era isso que eu queria: não me importar. Sentimentos era para os fracos, eu iria desligá-los e seguir em frente, como uma máquina mal feita.


Passei pelo corredor, ninguém me notou ou tentou impedir-me. Segui até o elevador e desci até o primeiro andar, lá também foi de boa – tudo muito fácil. O porteiro teve a educação de me dar um “alô” breve quando passei, sorri meio apreensiva e resolvi fazer a pergunta óbvia e vergonhosa.
– Oi...é...senhor, poderia me dizer, que dia é hoje?
O porteiro me estudou por um momento, um tanto formal. Ele se parecia com qualquer outro porteiro (pra mim porteiro é tudo igual), só tinha o fato importante: bronzeado. E muito bronzeado. Bronzeamento no outono? Sério, nunca faça isso.
– É dia 11.
– De Novembro? – perguntei, idiotamente.
Ele franziu o cenho.
– É claro que sim, ora.
Dei de ombros como quem diz “só estava confirmando”, agradeci e segui rua afora, sem ao menos saber o que fazer. Eu estava no Hospital Central Services Inc – um dos principais Hospitais de Nova Jersey. A Gloucester City podia ser vista com facilidade da onde eu estava. E a liberdade me amedrontava. Todo aquele entusiasmo dentro do quarto de hospital estava se esgotando, sendo substituído por medo. Os anjos me procuravam, e a cada passo essa suspeita aumentava como uma chama sendo motivada a crescer. Não podia ligar pra ninguém, nem mesmo pra Lucia. Lucia, que eu nem sabia se tinha ou não sobrevivido! Era mancada minha sair do hospital pensando apenas em mim e esquecendo totalmente dela, devia ao menos ter procurado saber de alguma informação ou algo assim. Que tipo de amiga eu era? Mas eles estavam atrás de mim, e eu não podia trazê-los a ela, como uma isca a ser usada. Eu estava sozinha.  
O tempo estava razoável [Digo isso por preferir céu nublado e chuvoso.] o sol brilhava, e ironicamente parecia sorrir para mim. Devia ser umas 10 horas da manhã, ou até mesmo meio-dia, nunca fui muito boa para a questão tempo.
Corri atrás de um táxi, eu não tinha dinheiro mas podia usar o truque sedução [Tudo bem, o da mente é melhor.], por mais que eu não gostasse dessa ideia. Era a única saída.
Estava com uma impressão estranha de estar sendo observada, como se alguém estivesse rindo enquanto corro no caminho certo para uma armadilha. Ótimo, pensei. Isso é pra eu aprender a não sair de casa escondido e de madrugada. E também não fugir pra França com estranhos.
Um táxi passou e fiz sinal para que parasse, ele parou e sentei no banco de passageiro. Estava tão agitada que seria capaz de deixar escapar um “siga aquele carro” – que sempre foi o meu sonho. Em vez disso, falei:
– Aeroporto, por favor. Newark. – Tentei minha voz mais convincente e controlada, pareceu funcionar, pois o motorista começou a dirigir sem argumentar.
O motorista que logo descobri que se chamava Benet, pisou fundo no acelerador e partiu avenida a baixo. Não prestei muita atenção, provavelmente faria o trajeto rotineiro para o aeroporto: começando pela Bellmawr. Fechei meus olhos tentando me acalmar. O que eu estava pensando que o aeroporto ia me ajudar? Pra onde diabos eu ia? Eu estava novamente fazendo aniversário, 16 anos duas vezes. O ônibus ainda não estava na França. Opa, eu teria que voltar para o futuro pra encontrar o ônibus, e com certeza o aeroporto não iria me ajudar a nada.
– Tem dinheiro, moça? – Perguntou o motorista Benet. Eu ainda estava de olhos fechados, abri um para responder rebeldemente.
– Quem é o idiota que entra em um táxi e não tem dinheiro?
O motorista Benet deu de ombros, ligou o som do carro e começou a ouvir Maroon 5, sorri.
– Gosta de Maroon 5?
Fiz um sinal positivo com a cabeça, é claro que eu gosto.
– Amo. Adam lindo.
O motorista Benet ri, parecia estar mais confortável. – Normalmente não ligo o som do carro, mas sabe como é, musica ajuda a relaxar até mesmo se você estiver com mil problemas.
– E o senhor esta com mil problemas? – Pergunto, já mais atenta e de olhos abertos.
– Por favor, chame-me de Benet. Senhor é muito velho. – Benet aparentava ter uns 40 anos, as rugas da idade marcavam sua face, mas fora isso, era bonito. Vestia-se normalmente, com camiseta e calça jeans, um pouco moreno e os cabelos castanhos escuro faziam com que ele parecesse um ator de Hollywood – dos mais normais, nada de Johnny Depp. – E bem, todo mundo tem problemas não é? Cada um sabe a dificuldade que é enfrentar cada dia.
– Algumas pessoas têm problemas que às vezes é quase impossível de resolver. – Pensei em como eu voltaria para o final de Novembro. Sorri, aquilo era impossível. – E ah, sou Cathy.
– Que pensamento mais negativo, Cathy. Acha que algo nesse mundo pode ser impossível? Eu dirijo por este EUA há anos, desde que eu tinha 24 anos. Conheço tudo aqui, e ainda assim, sempre me vejo me surpreendendo com as coisas da vida. Sempre me pego mudando de opinião e até mesmo pensando em desistir. Pensando. Desistir é para os fracos, pensar negativo e ver tudo com dificuldade é pra quem não tem força de vontade. Coloque um Maroon 5 pra tocar e seja feliz, menina! O mundo te espera ai fora, e você deve ter o que, 17 anos? Tem uma vida tão enorme pra enfrentar, tanto para experimentar. Tantas pessoas que podem te fazer mudar de ideia, te encorajar. – Benet dizia aquilo com tanta facilidade, com tanta calma que eu estava começando a sentir-me mais entusiasmada. Não queria que ele parasse de falar. Não. Agora não. – Ainda tem muitos meninos bons pra você se apaixonar. Cathy, querida, se estiver com o coração machucado por causa de homem, te dou um conselho: siga em frente. Pois tem uma coisa que desanima é ficar parado esperando que tudo venha com facilidade pra você. Dê de ombros e viva. Viva porque o mundo não para. Hoje você pode estar com dificuldades pra entender tudo isso. Amanhã estará sorrindo e dizendo a todos que a vida é o maior jogo de diversão que pode existir. E eu acho que o Benet aqui esta se empolgando novamente.
Eu rio, o cara é muito legal. Pensei se eu não poderia ser a companheira de táxi dele pra poder ouvir suas histórias, do tipo “Teve uma vez que tal pessoa...” e rir o dia todo. Tudo seria mais fácil – não ter que enfrentar o mundo lá fora –, Benet poderia falar aquilo com toda a calma e experiência possível, mas não tinha nenhum anjo atrás dele nesse exato momento. Disso eu podia ter certeza.
– Quer saber minha situação? – Pergunto. – Hipoteticamente falando?
– Hipoteticamente? – repete, sorri e continua. – É claro que sim, adoro histórias.
– Hipoteticamente, sou filha de um arcanjo. Tudo bem? – Benet franze a testa, mas confirma. Não sei o que deu em mim, mas resolvi contar tudo aquele homem. – Hum, e esse arcanjo por acaso é Miguel. Sabe, o maior de todos. Hipoteticamente. E ele foi seqüestrado por Lúcifer, seu irmãozinho que está ressuscitado, e isso aconteceu porque eu, a filha de Miguel, tinha sido usada como uma isca de uma armadilha para Miguel. Bem, não exatamente assim. Ninguém sabia da minha existência, eu estava sendo completamente escondida por meu pai, e minha mãe morreu quando eu tinha 11 anos. Ela nem sabia que meu pai era um arcanjo, ele mentirá para ela, diz à lenda que para seu próprio bem.
Tombei minha cabeça de lado e fechei os olhos, falei sem parar:
– Sei que isso pode soar estranho, nem sei porque estou dizendo isso, mas é o que aconteceu comigo. Vou te contar tudo, acredite se quiser. No dia 11 de Novembro, talvez hoje? Não sei, eu nem devia estar aqui. Espera, vou chegar nesta parte. – Senti Benet sorrindo e isso me encorajou a continuar. – Eu acordei como todos os dias e fui tomar café com minha , e na sala tinha três estranhos que me disseram que eu era filha de Miguel, ô arcanjo. Eu já pesquisei, já li e sempre acreditei em tudo isso. Eu acredito em qualquer coisa, não é a toa que minha amiga uma vez fez uma pegadinha comigo, me mandando uma carta igual de Hogwarts, eu pensei mesmo que fosse uma bruxa. Isso não vem ao caso, a questão é que acreditei rápido. Sou pa-ra-nor-mal: nada normal. E quando alguém bate na porta da sua casa dizendo o que você, particularmente, já suspeitava – não, eu não suspeitava que era filha de um anjo, mas sim que tinha algo estranho –, dizendo que você tinha uma missão, ou você ia ou ficava em casa pra morrer nas mãos dos seus inimigos. Quando te fazem uma proposta muita além do seu raciocínio, é muito vergonhoso não pensar direito e já tomar decisões precipitadas? E sim, eu fui. E descobri que tinha que ir atrás dos três Espíritos da Morte, que tinham as três espadas. No começo pensei que seria fácil, até eu descobrir que todo o céu estava a minha procura. Minha cabeça valia muito e eu perdi um amigo por isso. Já tinha conquistado a primeira espada, Benet, estava tudo ótimo, quer dizer, corríamos perigos e eu quase morri só por conversar com a Morte, mas...eu tinha amigos do meu lado. Tinha três pessoas que eu podia confiar. E então uma morre, por minha culpa. Ele pode ter morrido heroicamente, só que isso não tira a culpa de dentro de mim. Ele morreu porque um anjo queria me matar. A mim. E pra isso usou o corpo e a vida de Daniel.
“Ele morreu por minha causa.”
Paro e seco as lágrimas do rosto, estava respirando com dificuldade e meu coração acelerava a cada palavra. Falava rápido demais, mas com toda a sinceridade.
– Perdi minha mãe, sei a dor que é, mas ninguém ta preparado pra perder alguém. Por mais que ela não seja a pessoa mais especial da sua vida. Benet, eu acreditei que poderia trazer Dan de volta, enganar a morte. Teria eu poder a tanto? Zacarias disse que eu sou só uma garota de 16 anos, perdida e jogada no passado. Estou sozinha Benet, sozinha porque não posso mais confiar em ninguém! Confiei em Eduardo e olhe só onde eu estou! Por que? Não se pode mais confiar em ninguém. Não posso voltar pra casa. Não posso voltar e visitar minha amiga no hospital. Não posso fazer nada porque tenho chances de deixar as pessoas que eu amo em perigo. E ainda sofro por causa de um canalha idiota. Eduardo e eu, nós, não podemos ficar juntos. Seria contra a lei da natureza. E eu e Sam, aquele traidor. Humano imprestável que não tem amor à vida. Não agüento mais! Eu nem deveria estar no dia 11 de Novembro! Pelo amor de Deus, estou fazendo 16 anos de novo! Eu deveria estar no final do mês, atrás da segunda espada...mesmo que isso possa parecer maluco, eu queria salvar meu pai. Ele me salvou uma vez, o mínimo que eu podia fazer era salvá-lo. Estou destruída, destruída! Não consigo me imaginar pior. Como a profecia disse que vai ser pior? Que vou estar ainda mais com o coração destruído...? É isso, isso! Do Anjo, as portas da vida se abrirão!  Puta que pariu! É isso!
Benet me lançou um olhar de pura confusão, o táxi estava parado por causa do trânsito, abri a porta do carro e sai com um sorriso de orelha a orelha. Havia encontrado a solução, por mais que eu não gostasse muito dela. Só precisava fazer a coisa certa.
– Cathy, aonde vai? – gritou Benet do carro, voltei correndo e joguei um bolo de dinheiro no carro [Eu sei fazer surgir dinheiro, há.] E dei-lhe um beijão no rosto, mais feliz impossível.  – Ei, garota! Que...
Mas eu já não o ouvia mais, corri entre os carros e senti meu corpo desaparecendo dali. Da avenida, de Nova Jersey.
Dicasterio Custos Angeli! – Gritei, e meu corpo saboreou a viagem nas sombras.

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