Uma boa noticia: eu havia recuperado minha memória.
Má noticia: centenas de anjos estavam a minha procura.
Uma pessoa como eu já devia estar acostumada com o azar. Mas
é inacreditável: perdi minha memória, voltei no tempo, Kristen não da noticias
e uns bandos de anjos assassinos estavam a minha procura. E pior, eu ainda não
tinha a menor ideia do que havia feito o carro capotar. De uma coisa eu estava
certa: não era uma ave. Um anjo? Talvez. Ouvi boatos de que humanos não podiam
ver as asas dos anjos. Boatos. Humanos.
E isso não tinha nada a ver comigo.
Eu estava irada. Tipo, Eduardo me joga no passado por
simplesmente gostar de mim e eu nem sequer pude reclamar! Teria uma boa
conversa com o senhor McLean quando o vise. Primeiro eu tinha que fugir daquele
hospital e dar um jeito de voltar para o futuro [Voltar no futuro, veja bem aonde
fui parar]. Zacarias havia dito que eu era uma criança birrenta que não sabia
fazer nada, mimada e filhinha do papai. [Eu sei, não foi tudo isso, mas é pra
dar um toque de emoção no discurso em geral.] E aquele sonho estranho. Talvez
fosse só mais uma perturbação, invenção da minha cabeça. Eu afinal, sempre fui
criativa.
O.k., agora é sério. Eu tinha que fugir do hospital e arranjar
um jeito de concertar as coisas, por mais que eu não soubesse nem onde estavam
meus chinelos.
Olhei por todo o quarto a procura de algo que pudesse me
ajudar a sair dali – uma janela ou coisa parecida –, havia uma, mas com grade.
Eu poderia quebrá-la e ir voando...nossa, nada inteligente. Pensando melhor, a
ideia de aparatar (como diz Harry
Potter) era mais fácil. Só tinha um problema: eu não sabia viajar nas sombras.
Suspirei, indignada.
Meu corpo não doía, apesar do acidente, e eu me sentia bem.
Vistoriei todo ele atrás de algum machucado ou algo parecido: nada. Se raiva
fosse dor, estaria cheia dela.
– Merda. Merda. Merda.
Ao lado da cama tinha uma mesinha, contendo roupas jogadas
ali.
Sorte, pensei. Você veio!
Vestia uma daquelas roupas de hospital: uma coisa nomeada
vestido. E azul doentio. Eca! Peguei a calça jeans e a blusa branca. Por sorte
era uma das minhas favoritas, que tinha escrito “me gusta” bem grande. Me gusta. A única coisa ruim é que não
achava meus chinelos dos memes, isso
era chantagem com minhas emoções.
Não sabia quem tinha
deixado as roupas lá, que dia era hoje, se eu tinha perdido meu aniversário e
por quê eu não estava machucada; mas resolvi ir ao banheiro tomar um banho e
arrumar meus cabelos. Que infelizmente estavam grandes. Eu os queria pequenos,
e queria meus óculos. E queria minha vida de antes.
Antes quando tudo era normal ou antes, quando conheci Eduardo?
Definitivamente, não fazia ideia.
Uma coisa era certa: eu esganaria e faria de Sam,
picadinhos. E Eduardo também, é claro.
Se eu estava me gabando por ter um namorado humano e um anjo
apaixonado por mim, esquece, não estou mais. Magoada, angustiada, furiosa era
pouco pra expressar minha situação com eles.
No banheiro me joguei em baixo do chuveiro. A água estava
quente e maravilhosa, e isso poderia me ajudar a pensar com clareza.
Kristen e Daniel ainda eram meus anjos da guarda. Disso eu
sabia. Eduardo teria me lançado no passado por razões sentimentais, ou ele
pressentira algo ruim e tentou me proteger? E se tudo fosse um truque para
roubarem a espada da Morte? Talvez eu não devesse confiar em mais ninguém daqui
para frente. Confiei de corpo e alma e me traíram. Eu era uma tonta que achava
que podia confiar em qualquer um assim, sem mais nem menos. Que qualquer um que
batesse na minha porta fosse bom o suficiente pra eu me entregar, por inteira.
Desde os anjos até o mais miserável humano. Nada. Ninguém merece confiança,
ninguém mais parece digno a isso.
Fiquei mais alguns minutos embaixo do chuveiro, sai e vesti as
roupas que estavam jogadas no chão. Encontrei meu All-star preto surrado no
quarto, um pouco escondidos ao lado de um pequeno armário. As coisas estavam
muito fáceis. E já tinha aprendido que nada é fácil na vida. Definitivamente suspeito.
Calcei os tênis e voltei ao banheiro. Estudei minha imagem
no espelho: cabelos grandes e sem óculos, não era eu. Se eu tivesse um poder para me transformar no que quisesse –
fisicamente. Não fechei os olhos, apenas desejei meus cabelos curtos. Uma névoa
prata e brilhante envolveu todo o meu cabelo. Pisquei, surpresa, e já havia
desaparecido. Meus cabelos curtos e repicados tomavam o lugar. Sorri e estendi
a mão, desejando meus óculos, a luz prata apareceu na minha mão e desapareceu.
No lugar, óculos redondos e meios quadrados iluminavam e chamavam-me.
Coloquei-os e dei uma piscadela pra minha imagem no espelho. Se algum trouxa
por ai pensou que brincaria comigo e eu ficaria chorando pelos cantos, sem ação
alguma, estava completamente enganado. Jogaria meus cabelos para trás ,
ajeitaria meus óculos e enfrentaria o mundo. Já disse que não posso morrer?
Pois é, não posso. Tudo bem que estava sem namorado e sem informação nenhuma.
Sem muita coisa que podia ajudar e até mesmo sozinha – eu sei, nasci pra ficar
sozinha pro resto da vida. Mas eu não me importava. Pelo menos era isso que eu
queria: não me importar. Sentimentos era para os fracos, eu iria desligá-los e
seguir em frente, como uma máquina mal feita.
Passei pelo corredor, ninguém me notou ou tentou impedir-me.
Segui até o elevador e desci até o primeiro andar, lá também foi de boa – tudo
muito fácil. O porteiro teve a educação de me dar um “alô” breve quando passei,
sorri meio apreensiva e resolvi fazer a pergunta óbvia e vergonhosa.
– Oi...é...senhor, poderia me dizer, que dia é hoje?
O porteiro me estudou por um momento, um tanto formal. Ele
se parecia com qualquer outro porteiro (pra mim porteiro é tudo igual), só
tinha o fato importante: bronzeado. E muito bronzeado. Bronzeamento no outono?
Sério, nunca faça isso.
– É dia 11.
– De Novembro? – perguntei, idiotamente.
Ele franziu o cenho.
– É claro que sim, ora.
Dei de ombros como quem diz “só estava confirmando”,
agradeci e segui rua afora, sem ao menos saber o que fazer. Eu estava no
Hospital Central Services Inc – um dos principais Hospitais de Nova Jersey. A
Gloucester City podia ser vista com facilidade da onde eu estava. E a liberdade
me amedrontava. Todo aquele entusiasmo dentro do quarto de hospital estava se
esgotando, sendo substituído por medo. Os anjos me procuravam, e a cada passo
essa suspeita aumentava como uma chama sendo motivada a crescer. Não podia
ligar pra ninguém, nem mesmo pra Lucia. Lucia, que eu nem sabia se tinha ou não
sobrevivido! Era mancada minha sair do hospital pensando apenas em mim e
esquecendo totalmente dela, devia ao menos ter procurado saber de alguma
informação ou algo assim. Que tipo de amiga eu era? Mas eles estavam atrás de
mim, e eu não podia trazê-los a ela, como uma isca a ser usada. Eu estava sozinha.
O tempo estava razoável [Digo isso por preferir céu nublado
e chuvoso.] o sol brilhava, e ironicamente parecia sorrir para mim. Devia ser
umas 10 horas da manhã, ou até mesmo meio-dia, nunca fui muito boa para a
questão tempo.
Corri atrás de um táxi, eu não tinha dinheiro mas podia usar
o truque sedução [Tudo bem, o da mente é melhor.], por mais que eu não gostasse
dessa ideia. Era a única saída.
Estava com uma impressão estranha de estar sendo observada,
como se alguém estivesse rindo enquanto corro no caminho certo para uma
armadilha. Ótimo, pensei. Isso é pra eu aprender a não sair de casa escondido e
de madrugada. E também não fugir pra França com estranhos.
Um táxi passou e fiz sinal para que parasse, ele parou e
sentei no banco de passageiro. Estava tão agitada que seria capaz de deixar
escapar um “siga aquele carro” – que sempre foi o meu sonho. Em vez disso,
falei:
– Aeroporto, por favor. Newark. – Tentei minha voz mais
convincente e controlada, pareceu funcionar, pois o motorista começou a dirigir
sem argumentar.
O motorista que logo descobri que se chamava Benet, pisou
fundo no acelerador e partiu avenida a baixo. Não prestei muita atenção,
provavelmente faria o trajeto rotineiro para o aeroporto: começando pela
Bellmawr. Fechei meus olhos tentando me acalmar. O que eu estava pensando que o
aeroporto ia me ajudar? Pra onde diabos eu ia? Eu estava novamente fazendo
aniversário, 16 anos duas vezes. O ônibus ainda não estava na França. Opa, eu
teria que voltar para o futuro pra
encontrar o ônibus, e com certeza o aeroporto não iria me ajudar a nada.
– Tem dinheiro, moça? – Perguntou o motorista Benet. Eu
ainda estava de olhos fechados, abri um para responder rebeldemente.
– Quem é o idiota que entra em um táxi e não tem dinheiro?
O motorista Benet deu de ombros, ligou o som do carro e
começou a ouvir Maroon 5, sorri.
– Gosta de Maroon 5?
Fiz um sinal positivo com a cabeça, é claro que eu gosto.
– Amo. Adam lindo.
O motorista Benet ri, parecia estar mais confortável. –
Normalmente não ligo o som do carro, mas sabe como é, musica ajuda a relaxar
até mesmo se você estiver com mil problemas.
– E o senhor esta com mil problemas? – Pergunto, já mais
atenta e de olhos abertos.
– Por favor, chame-me de Benet. Senhor é muito velho. –
Benet aparentava ter uns 40 anos, as rugas da idade marcavam sua face, mas fora
isso, era bonito. Vestia-se normalmente, com camiseta e calça jeans, um pouco
moreno e os cabelos castanhos escuro faziam com que ele parecesse um ator de
Hollywood – dos mais normais, nada de Johnny Depp. – E bem, todo mundo tem
problemas não é? Cada um sabe a dificuldade que é enfrentar cada dia.
– Algumas pessoas têm problemas que às vezes é quase impossível de resolver. – Pensei
em como eu voltaria para o final de Novembro. Sorri, aquilo era impossível. – E
ah, sou Cathy.
– Que pensamento mais negativo, Cathy. Acha que algo nesse
mundo pode ser impossível? Eu dirijo por este EUA há anos, desde que eu tinha
24 anos. Conheço tudo aqui, e ainda assim, sempre me vejo me surpreendendo com
as coisas da vida. Sempre me pego mudando de opinião e até mesmo pensando em
desistir. Pensando. Desistir é para os fracos, pensar negativo e ver tudo com
dificuldade é pra quem não tem força de vontade. Coloque um Maroon 5 pra tocar e seja feliz, menina!
O mundo te espera ai fora, e você deve ter o que, 17 anos? Tem uma vida tão
enorme pra enfrentar, tanto para experimentar. Tantas pessoas que podem te
fazer mudar de ideia, te encorajar. – Benet dizia aquilo com tanta facilidade,
com tanta calma que eu estava começando a sentir-me mais entusiasmada. Não
queria que ele parasse de falar. Não. Agora não. – Ainda tem muitos meninos
bons pra você se apaixonar. Cathy, querida, se estiver com o coração machucado
por causa de homem, te dou um conselho: siga em frente. Pois tem uma coisa que
desanima é ficar parado esperando que tudo venha com facilidade pra você. Dê de
ombros e viva. Viva porque o mundo não para. Hoje você pode estar com
dificuldades pra entender tudo isso. Amanhã estará sorrindo e dizendo a todos
que a vida é o maior jogo de diversão que pode existir. E eu acho que o Benet
aqui esta se empolgando novamente.
Eu rio, o cara é muito legal. Pensei se eu não poderia ser a
companheira de táxi dele pra poder ouvir suas histórias, do tipo “Teve uma vez
que tal pessoa...” e rir o dia todo. Tudo seria mais fácil – não ter que
enfrentar o mundo lá fora –, Benet poderia falar aquilo com toda a calma e
experiência possível, mas não tinha nenhum anjo atrás dele nesse exato momento.
Disso eu podia ter certeza.
– Quer saber minha situação? – Pergunto. – Hipoteticamente
falando?
– Hipoteticamente? – repete, sorri e continua. – É claro que
sim, adoro histórias.
– Hipoteticamente, sou filha de um arcanjo. Tudo bem? – Benet
franze a testa, mas confirma. Não sei o que deu em mim, mas resolvi contar tudo
aquele homem. – Hum, e esse arcanjo por acaso é Miguel. Sabe, o maior de todos.
Hipoteticamente. E ele foi seqüestrado por Lúcifer, seu irmãozinho que está
ressuscitado, e isso aconteceu porque eu, a filha de Miguel, tinha sido usada
como uma isca de uma armadilha para Miguel. Bem, não exatamente assim. Ninguém
sabia da minha existência, eu estava sendo completamente escondida por meu pai,
e minha mãe morreu quando eu tinha 11 anos. Ela nem sabia que meu pai era um
arcanjo, ele mentirá para ela, diz à lenda que para seu próprio bem.
Tombei minha cabeça de lado e fechei os olhos, falei sem
parar:
– Sei que isso pode soar estranho, nem sei porque estou
dizendo isso, mas é o que aconteceu comigo. Vou te contar tudo, acredite se
quiser. No dia 11 de Novembro, talvez hoje? Não sei, eu nem devia estar aqui.
Espera, vou chegar nesta parte. – Senti Benet sorrindo e isso me encorajou a
continuar. – Eu acordei como todos os dias e fui tomar café com minha vó, e na sala tinha três estranhos que
me disseram que eu era filha de Miguel, ô arcanjo. Eu já pesquisei, já li e
sempre acreditei em tudo isso. Eu acredito em qualquer coisa, não é a toa que
minha amiga uma vez fez uma pegadinha comigo, me mandando uma carta igual de
Hogwarts, eu pensei mesmo que fosse uma bruxa. Isso não vem ao caso, a questão
é que acreditei rápido. Sou pa-ra-nor-mal: nada normal. E quando alguém bate na
porta da sua casa dizendo o que você, particularmente, já suspeitava – não, eu
não suspeitava que era filha de um anjo, mas sim que tinha algo estranho –, dizendo
que você tinha uma missão, ou você ia ou ficava em casa pra morrer nas mãos dos
seus inimigos. Quando te fazem uma proposta muita além do seu raciocínio, é
muito vergonhoso não pensar direito e já tomar decisões precipitadas? E sim, eu
fui. E descobri que tinha que ir atrás dos três Espíritos da Morte, que tinham
as três espadas. No começo pensei que seria fácil, até eu descobrir que todo o
céu estava a minha procura. Minha cabeça valia muito e eu perdi um amigo por
isso. Já tinha conquistado a primeira espada, Benet, estava tudo ótimo, quer
dizer, corríamos perigos e eu quase morri só por conversar com a Morte,
mas...eu tinha amigos do meu lado. Tinha três pessoas que eu podia confiar. E
então uma morre, por minha culpa. Ele pode ter morrido heroicamente, só que
isso não tira a culpa de dentro de mim. Ele morreu porque um anjo queria me matar. A mim. E pra isso usou o corpo
e a vida de Daniel.
“Ele morreu por minha causa.”
Paro e seco as lágrimas do rosto, estava respirando com
dificuldade e meu coração acelerava a cada palavra. Falava rápido demais, mas
com toda a sinceridade.
– Perdi minha mãe, sei a dor que é, mas ninguém ta preparado
pra perder alguém. Por mais que ela não seja a pessoa mais especial da sua
vida. Benet, eu acreditei que poderia trazer Dan de volta, enganar a morte. Teria eu poder a tanto? Zacarias disse que eu sou
só uma garota de 16 anos, perdida e jogada no passado. Estou sozinha Benet,
sozinha porque não posso mais confiar em ninguém! Confiei em Eduardo e olhe só
onde eu estou! Por que? Não se pode mais confiar em ninguém. Não posso voltar
pra casa. Não posso voltar e visitar minha amiga no hospital. Não posso fazer
nada porque tenho chances de deixar as pessoas que eu amo em perigo. E ainda
sofro por causa de um canalha idiota. Eduardo e eu, nós, não podemos ficar
juntos. Seria contra a lei da natureza. E eu e Sam, aquele traidor. Humano
imprestável que não tem amor à vida. Não agüento mais! Eu nem deveria estar no
dia 11 de Novembro! Pelo amor de Deus, estou fazendo 16 anos de novo! Eu deveria estar no final do
mês, atrás da segunda espada...mesmo que isso possa parecer maluco, eu queria
salvar meu pai. Ele me salvou uma vez, o mínimo que eu podia fazer era
salvá-lo. Estou destruída, destruída! Não consigo me imaginar pior. Como a
profecia disse que vai ser pior? Que vou estar ainda mais com o coração destruído...? É isso, isso! Do Anjo, as portas da vida se abrirão! Puta
que pariu! É isso!
Benet me lançou um olhar de pura confusão, o táxi estava
parado por causa do trânsito, abri a porta do carro e sai com um sorriso de
orelha a orelha. Havia encontrado a solução, por mais que eu não gostasse muito
dela. Só precisava fazer a coisa certa.
– Cathy, aonde vai? – gritou Benet do carro, voltei correndo
e joguei um bolo de dinheiro no carro [Eu sei fazer surgir dinheiro, há.] E
dei-lhe um beijão no rosto, mais feliz impossível. – Ei, garota! Que...
Mas eu já não o ouvia mais, corri entre os carros e senti
meu corpo desaparecendo dali. Da avenida, de Nova Jersey.
– Dicasterio Custos
Angeli! – Gritei, e meu corpo saboreou a viagem nas sombras.
Muuuito bom
ResponderExcluiransiosa pelo próximo capitulo
ansiosa pelo próximo capitulo²
ResponderExcluirPuts adorei, mega ansiosa pelo proximo (:
ResponderExcluirMuito bom Carol, parabéns! Ansiosa pelo próximo.
ResponderExcluir